Mitigação dos efeitos e distribuição dos custos da pandemia

Por João Gonsalo de Moura*

Uma das singularidades da pandemia da Covid-19 é a ausência de fármacos capazes de gerar uma ação direta no sentido de combatê-la, restando apenas a alternativa dasprescrições não farmacológicas, pelo menos em um horizonte de curto prazo. Nesse sentido, o conjunto das medidas de mitigação anunciadas pelos governos estaduais e municipais possuem uma finalidade intrínseca que é a consumação do distanciamento social.

Neste contexto, importantes medidas restritivas têm sido anunciadas: fechamento de escolas, proibição de eventos que impliquem em aglomerações, paralisação de negócios considerados não essenciais e ordens de ficar em casa (bloqueios). Dada a urgência imposta pelo fenômeno em curso, as deliberações têm sido proclamadas mesmo sem uma avaliação prévia do quanto a mudança no comportamento dos indivíduos se deve: a) à sua disposição para obedecer aos decretos; b) à reação voluntária da população diante da iminência de doença e morte resultante dos anúncios dos casos iniciais de infecção e óbito.

Embora as providências publicadas não tenham como propósito final a erradicação da doença, as mesmas intentam alcançar uma moderação na sua velocidade de propagação, achatando a curva de contágio. No entanto, essas medidasmitigatórias têm causado efeitos danosos de grandes proporções em três elementos essenciais da economia, assim manifesto: vultoso e repentino declínio no faturamento das firmas não inseridas nas chamadas atividades essenciais; aumento da dispersão nos diferenciais de renda das famílias, em razão das mesmas terem sido afetadas pelo mal em proporções distintas; redução na capacidade e disposição para o trabalho, motivada pelos casos de infecção e pelas preocupações com a possibilidade de contaminação noambiente laboral, além da obrigatoriedade imposta pelas deliberações oficiais, que atingem especialmente os chamados profissionais autônomos.

Diante do exposto, torna-se evidente que as políticas de mitigação não farmacológicas, através de normas restritivase sobretudo dos bloqueios, acarretam elevados custos sociais e afetam os indivíduos de forma assimétrica. Portanto, cabe ao Estado intervir para aliviar esses malefícios, não somente de forma que os mesmos sejam reduzidosindiscriminadamente, mas, principalmente, de modo que seja suscitada uma distribuição mais equitativa dos custos consequentes entre os indivíduos, atenuando o fardo daqueles que foram acometidos mais fortemente. Em tal conjuntura, é possível inferir que a política ótima de amenização não pode corresponder a um contexto de intervenção extrema para refrear completamente a disseminação, já que a tomada de decisão deve considerar os custos sociais decorrentes e as limitações econômicas e financeiras do Estado no sentido de repará-los. Infere-se, pois, que a solução ótima para o problema emana do confronto entre oferecer o máximo de mitigação face a restrição de ter que arcar com os custos de uma política de distribuição de perdas de forma mais equânime (compensação de prejuízos).

No caso brasileiro, a solução deste problema não resulta exatamente da aplicação estrita deste princípio, pois a esfera de governo responsável pelas decisões mitigatórias não é a mesma que contrai os custos envolvidos no processo de compensação dos agentes que sofreram danos mais profundos. Quando o poder judiciário interpreta que as instâncias estadual e municipal devem assumir a responsabilidade pelas prescrições para o enfrentamento da pandemia (mitigação) e o nível federal deve assumir o encargo pela equalização das perdas (compensação), fica concebido um ambiente propício a uma solução discrepante da solução ótima. Ou seja, a esfera governamental que sugere o questionamento a respeito do nível de suavização a ser oferecido à sociedade não é a mesma que propõe o questionamento a respeito dos limites preconizados pelaescassez de recursos públicos. Tudo isto aponta para um desfecho que tende a conceber excessos, tanto em termos de mitigação, como em termos de compensação.

Os excessos referidos não se resumem ao quantitativo das intervenções mitigatórias, mas, também, à escolha de alternativas que podem pender para as opções mais drásticas. A literatura disponível mostra que a imposição de regras excessivas, como bloqueios, parece produzir efeitos positivos marginais sobre condições de saúde da população, que por si mesma já introduz modificações prévias em seu comportamento por conta das informações que emanam de diversas fontes, ocasionando assim uma fraca relação entre o confinamento dos indivíduos e a velocidade de propagação do vírus, justificada pelo fato de já ter havido uma mudança voluntária na conduta das pessoas. Por outro lado, atesta-se uma forte relação entre a imposição de bloqueios e a extinção de postos de trabalho.

Ou seja, políticas de mitigação baseadas em regras mais brandas como o uso de equipamentos de proteção, indução à utilização de métodos de higiene mais rígidos, restrições de aglomeração, isolamento dos grupos de risco, etc., podem ser igualmente eficientes, com a diferença de atenuar bastante a necessidade de arcar com custos de compensação.Para tanto, as decisões referentes a alternativas de políticas de mitigação e escolhas referentes aos custos de compensação não devem pertencer a esferas governamentais distintas, sob pena de serem concebidas intervenções divergentes da posição ótima. Eis então o desacerto do caso brasileiro, onde parece ter havido uma manifestaincongruência na aplicação deste princípio.

*Doutor em Economia – Professor Associado do Departamento de Economia da UFMA ([email protected])

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *