Professores da UFMA apontam que estudos podem ter levado o Governo do Maranhão a tomar medidas de flexibilização equivocadas

Os professores Alex Brito e Saulo Pinto do Departamento de Economia e o mestrando no Instituto de Economia da UNICAMP, Francisco Mascarenhas Júnior, publicaram nesta quinta-feira (28), um texto de divulgação científica, que aponta divergências nas projeções apresentadas pelos doutores Allan Kardec (Engenharia Elétrica) e Yglesio Moyses (Medicina), ambos da UFMA, sobre os casos da covid-19. Na avaliação dos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Macroeconomia, o Governo do Maranhão pode está adotando medidas equivocadas por conta das informações divulgadas pelos dois professores.

Os economistas afirmam que o texto de divulgação científica apresentado por eles está baseado no estudo do Imperial College, que publicou o relatório de número 21 intitulado Estimating COVID-19 cases and reproduction number in Brazil.

Na avaliação dos três economistas, o Governo do Maranhão adotou até aqui medidas de contenção adequadas no combate à pandemia da COVID-19 no Estado. Mesmo diante de uma infraestrutura de equipamentos públicos de saúde inadequada. Porém, eles avaliam que o Governo do Estado passou a adotar medidas flexíveis de relaxamento do isolamento social, baseado em duas tentativas de assessoramento do planejamento governamental, professor Doutor Allan Kardec – docente do departamento de Engenharia Elétrica da UFMA e outra do professor Doutor Yglésio Moyses – médico do Hospital Universitário da UFMA.

O professor Dr Alex Brito afirma que tanto Allan Kardec quanto Yglesio Moyses, utilizam técnicas rudimentares para fazer projeções. Na publicação científica, é afirmado que um “dado relevante que as predições feitas por Yglésio e Kardec não consideram é que uma parte significativa dos óbitos registrados estão subnotificados com outras causas. Ainda não é possível estimar com segurança e confiabilidade, mas o impacto da convid-19 sobre outras doenças”.

Portanto eles avaliam que o Governo do Maranhão está se baseando em estudos que não possuem robustez para garantir uma flexibilização segura, “por isso, entendemos que é necessário repensar o modelo de planejamento adotado no nosso Estado […] consideramos que medidas de relaxamento eficazes e sustentáveis somente
podem ser adotadas com segurança epidemiológica”.

O texto dos professores ainda sugere: “não há nenhuma necessidade de partir do “zero” para elaboração de modelos robustos de previsão para ancorar o planejamento estratégico do Estado. É necessário reunir especialistas, matemáticos, estatísticos, médicos, epidemiologistas, cientistas de dados, alunos das universidades, pesquisadores, num amplo grupo de trabalho multidisciplinar para gerar estimativas regulares e replicar os modelos já desenvolvidos para o nosso Estado, elencar os melhores indicadores e construir, de fato, um planejamento orientado pela tendência do fenômeno que estamos atravessando”.

Por fim eles concluem a decisão de gradativo relaxamento das medidas de contenção tomada pelo Governo do Estado está equivocada.

Texto de divulgação científica do Grupo de estudos e pesquisas em macroeconomia

O professor Dr Allan Kardec respondeu o estudo: Em relação ao texto de Alex Brito, Saulo Pinto e Francisco Mascarenhas, gostaria de ressaltar alguns pontos.
1. Os nossos resultados fazem parte de estudos matemáticos baseados em previsão de séries temporais utilizando polinomios de 3o grau. Fizemos essa escolha porque esses são mais “sensíveis” a mudanças de comportamento e não têm a limitação – usada largamente em vários estudos de se ajustar à uma curva gaussiana;
2. Foram apresentadas duas curvas na Internet. Uma do comportamento dos óbitos e outra do comportamento dos casos. Em dias diferentes. A primeira foi publicada no Twitter e a segunda em site do Governo do Estado;
3. Não precisa muito exercício para notar que as curvas são diferentes. A de óbitos tem curvatura final para baixo, o que implica que há tendência de queda. Já a de casos mostra uma “acomodação” depois de vários dias;
4. Me intrigou a diferença dessas curvas, já que, observando as curvas do resto do mundo, vê-se que em geral a de óbitos é similar à de casos. Acho, portanto, que tem validade científica o questionamento do porquê de serem diferentes as duas. Algo que deva ser explorado.
5. A questão, portanto, não está nas curvas, que apenas descrevem o que os dados apontam, mas o porquê de a evolução temporal dos casos possuir esses comportamento. Mas isso está para além das pretensões do nosso estudo. Portanto, a diferença das curvas de óbitos e casos não serve para inferir nada do comportamento das curvas em si mesmas, nem como “argumento” nem como fundamento.
6. As projeções feitas têm 95% de grau confiança. Ou seja, os polinômios descrevem com muita precisão o comportamento da série temporal. E, portanto, pode-se afirmar o que nós dissemos nos dois contextos;
7. Por fim, creio que o estudo proposto tem grande mérito em trazer o necessário debate também para a sociedade. Foca vários aspectos interessantes que talvez devam ser explorados – que é o que se espera da Ciência e da Academia. 

Já o médico e deputado estadual Yglesio Moyses, respondeu:

Agradeço ao Prof. Alexsandro de Sousa Brito e ao grupo de estudos em Macroeconomia pela análise das projeções que fiz utilizando modelo de dispersão construída sobre análise polinomial. Algumas chegaram a R2 menos consistentes, pelos motivos expostos na minha fala e reconhecidos como justos pelo trabalho do grupo da UFMA, porém algumas desta análises chegaram a distribuições bem mais adequadas, com R2 de 0,98 inclusive e não foram sequer mencionadas. A referida análise, por mais bem intencionada que seja, parte da estimativa feita do comportamento da doença na Ilha e do interior como se a mesma coisa fossem, coisa que não o são, assumindo uma projeção global do referido estudo do Imperial College. Só essa observação já jogaria severa incongruência de quaisquer análises adicionais, mas creio que é importante discutir a temática per scientiam.

De toda forma, como já falo há bastante tempo, os dados da SES tornam qualquer tipo de projeção em longo prazo sujeita a inconsistências. Modelos bioestatísticos aplicados em momentos de pandemia por novas doenças acirram mais ainda essas dificuldades. Nenhum modelo, inclusive o do Imperial College, que por duas vezes já foi revisado pelos próprios autores em decorrência de graves falhas metodológicas consegue, isoladamente, mostrar-se adequado. Em virtude da baixa testagem no estado (menos 0,6% da população foi submetida a avaliação objetiva do coronavírus), nenhum de nós terá esta resposta.

Quanto à modelagem do Imperial College, que sustentou a crença do governo de que a Inglaterra poderia enfrentar a epidemia, deixando a infecção passar, criando “imunidade de rebanho” no caminho, era mais preocupante. O modelo, baseado num código de 13 anos de idade para uma pandemia de gripe há muito temida, supunha que a demanda por unidades de terapia intensiva seria a mesma para as duas infecções. Os dados da China logo mostraram que isso é perigosamente errado, mas o modelo só foi atualizado quando mais dados saíram da Itália, onde as UTI’s foram rapidamente sobrecarregadas e as mortes dispararam. Se fosse apenas esta falha, estaríamos menos desconfiados. Adicionalmente, o referido modelo não considerou o impacto de testes rápidos generalizados, rastreamento de contatos e isolamento, que podem ser usados nos estágios iniciais de uma epidemia ou em condições de bloqueio para manter as infecções reduzidas a tal ponto que, quando as restrições são levantadas, o vírus não deve se recuperar. Não se trata de saber se os modelos são falhos, mas de que maneira eles são falhos, e os modelos ainda podem ser extremamente valiosos se suas deficiências forem apreciadas. Como com outras fontes de informação, no entanto, elas nunca devem ser usadas sozinhas. E como não podem ser utilizadas sozinhos, creio que a análise mais acurada será aquela feita em conjunto pelos médicos, bioestatísticos e profissionais de modelagem matemática que quiserem se somar a esta difícil tarefa de prever o comportamento desta complexa doença. O convite que faço à comunidade acadêmica é que, ao invés do esforço para tentar analisar o passado, é que nos unamos na construção de projeções para o futuro da pandemia e do pós-pandemia.

Cordialmente,

Prof. Dr. Yglésio Moyses

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