Opinião: Além de ferir o princípio constitucional da ampla defesa

A divulgação dos pedidos de prisão preventiva de três importantes lideranças do PMDB suscita mais do que uma defesa elementar. O processo, que tramitava há semanas no mais alto grau de sigilo, no STF (Supremo Tribunal Federal), desconhecido até mesmo pelos acusados, consiste em extrema e perigosa afronta às garantias constitucionais brasileiras.

O vazamento da informação, em nuance criminosa, evidencia a deliberada intenção de pré­julgamento e de condenação moral dos citados. Sobre tal expediente, utilizado, reiteradas vezes, por interesses escusos neste período tumultuado de crise nacional, espera­se que o procurador­geral da República, Rodrigo Janot, cumpra a manifestação feita publicamente de investigar e punir os responsáveis, zelando assim pela condução das elevadas finalidades de uma instituição com dever de defender os direitos sociais e individuais, a ordem jurídica e o regime democrático. As declarações do senhor Nestor Cerveró, ao comentar a prisão do senador cassado Delcídio do Amaral, de que tal orientação partira de algum membro do Ministério Público Federal representam grave mácula a esta instituição.

Ademais, a criminalização de conversas gravadas pelo próprio delator aniquila o princípio jurídico da ampla defesa e do contraditório. O pedido enviado ao STF abriria, em tese, um precedente para prender qualquer cidadão que emitisse uma opinião, prática somente adotada nos mais abjetos regimes ditatoriais ­ além de ferir mortalmente a Súmula 145, do STF, que anula a legitimidade de provas oriundas de flagrantes previamente preparados. O ordenamento jurídico do país determina que até mesmo o Ministério Público e a Polícia Federal precisam de autorização judicial para violar o sigilo telefônico e a privacidade de qualquer cidadão.

O açodamento movido por interesses divergentes da legislação subtrai a justiça, compromete o discernimento necessário em todo julgamento e inverte a lógica de qualquer investigação: delatores transformam­se em heróis e delatados em vilões. Em pelo menos duas conversas telefônicas divulgadas pela imprensa, o “herói” de mais esta delação, o ex­presidente da Transpetro, Sérgio Machado, foi o mesmo que adjetivou o procurador­geral da República, Rodrigo Janot, de “mau caráter”.

As considerações aqui tecidas poderiam ser interpretadas pelo viés da superficialidade como se fossem a mera defesa de um ex­presidente da República que, aos 86 anos, é alvo do pior achincalhe de sua vida pública, após a divulgação de um obscuro pedido de prisão domiciliar. Porém, a insegurança institucional que ameaça a República vai além do esdrúxulo pedido de prisão a José Sarney ­ justamente o homem que conduziu o Brasil do período ditatorial para a democracia, garantindo estabilidade para a instituição do Estado Democrático de Direito.

É preciso ainda ratificar que, com a promulgação da Constituição Brasileira o Ministério Público aufere independência e o Poder Judiciário ascende institucionalmente. A discussão acadêmica acerca do ativismo judicial é tema novo que ganha destaque somente a partir da primeira década desse século, vez que guarda relação íntima com a promulgação da Carta Magna.

Não existem fatos isolados. É preciso a análise que devolva ao cidadão a compreensão mais profunda e isenta de belicosidade. Por que membros do governo do PT, flagrados em conversas comprometedoras sobre malversação de recursos públicos, não tiveram prisão preventiva solicitada pela Procuradoria ­Geral da República? A quem interessaria o vazamento das informações de um pedido de prisão de membros da cúpula do PMDB, ao que tudo indica, com fragilidades jurídicas já amplamente criticadas pelos mais renomados juristas do país? Até onde a submissão dos poderes ao Ministério Público pode chegar? Com que finalidade usa-­se a coerção da opinião pública para pressionar membros da mais alta corte do país, o STF, a decidirem sobre pedidos de prisão ao arrepio das leis brasileiras?

Chegamos a tal ponto em que não é mais possível delimitar onde começa a judicialização da política e a politização da justiça. No entanto, o Brasil tem pressa, precisa e vai superar a mais grave crise da história recente da República.

Anna Graziella Neiva

Advogada, pós-­graduada em Direito Constitucional, concluindo em MBA em Direito Tributário, mestranda em Ciências Jurídico ­Políticas

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