Psiquiatras alertam que criminosos com transtornos mentais podem ser liberados para viver em sociedade

Diversas entidades médicas brasileiras, entre elas a Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), repudiam a Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui a Política Antimanicomial e determina o fechamento dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) existentes no Brasil. De acordo com o presidente da Appsiq, o médico psiquiatra Júlio Dutra, essa medida poderá ter gravíssimas consequências, pois, irá colocar em liberdade presidiários que cometeram crimes bárbaros e foram diagnosticados com transtornos mentais, sem as mínimas condições de conviverem em sociedade.

“Essa é uma situação muito grave que colocará a população brasileira em extremo risco de vida, uma verdadeira catástrofe anunciada. Afinal, os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico são os únicos locais especializados capazes de abrigar diversas pessoas que cometeram crimes hediondos e foram internadas depois de diagnosticadas com graves transtornos mentais. Ou seja, são pessoas que não têm condições de conviver em sociedade, entre eles psicopatas, pedófilos, estupradores. Esses são alguns dos presidiários que esta resolução absurda quer colocar em liberdade. Não há espaço para piadas com esse assunto”, ressalta o presidente da Appsiq. Dutra observa que nenhum médico psiquiatra ou associação médica foi ouvida, consultada ou sequer convidada para participar do grupo de trabalho que tratou do assunto.

Júlio Dutra avalia que essa política antimanicomial vai contra a própria legislação penal, que prevê a existência dos HCTPs. “Não dá para entender como essa resolução surgiu, sem que qualquer médico ou psiquiatra tenha sido ouvido ou consultado. Se isso, de fato, for colocado em prática, haverá a liberação de presidiários com transtornos mentais que cometeram crimes graves. Além de estarem soltos nas ruas, a resolução permite que eles poderão escolher se querem tratar suas doenças mentais ou não, uma liberdade que coloca em risco toda a sociedade brasileira”, ressalta o presidente da Appsiq.

Liberados, os presidiários poderão decidir, por eles próprios, se querem ou não buscar tratamentos ofertados em hospitais gerais ou nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Além de nem sempre estarem preparados para atender especificamente esse público, isso pode sobrecarregar ainda mais o já escasso sistema de saúde pública, afinal, a política pública de saúde mental no Brasil não consegue atender a atual demanda, cada vez mais crescente, quanto menos com milhares de novos casos”, ressalta o médico.

Júlio Dutra aponta ainda que “é absurdo dar direito de decisão de tratamento a condenados por crimes hediondos. Isso é o mesmo que sentenciá-los a uma drástica piora de sua doença mental e colocar toda a população brasileira em perigo”, diz. “Nós somos mais de 14 mil psiquiatras no país e nenhum de nós foi ouvido sobre este assunto. Imagine se fosse implantada uma resolução que obriga dar alta imediata, sem aval médico, a todos os pacientes que estão internados em UTIs pelo Brasil? É a mesma situação: estão dando alta sem avaliação psiquiátrica aos presidiários mais perigosos de nosso país.”

Para o psiquiatra, a classe médica está sem entender os critérios que levaram ao que ele chama de “verdadeiro absurdo”. “Mas, mais do que isso, as pessoas estão assustadas com a possibilidade de criminosos com transtornos mentais serem liberados para o convívio social sem terem condições dessa convivência. Porque, no fundo, é isso: estamos falando de liberar essas pessoas para convívio social sendo que o psiquiatra decidiu e apontou que aquela pessoa não tem condições de conviver em sociedade.”

O presidente da Appsiq aponta que os HCTPs não são apenas previstos em lei, mas, são os locais mais adequados para atender uma demanda real e específica, que trata o doente mental que tenha cometido algum crime por conta do prejuízo da capacidade de entendimento ou do controle da vontade. O hospital é, justamente, o local de tratar e de tentar reinserir essa pessoa criminosa em sociedade, embora nem sempre isso seja possível, mas, sempre com avaliação e tratamento psiquiátrico”, afirma.

Sobre questionamentos acerca das condições do atendimento, Júlio Dutra é enfático em apontar a necessidade de reavaliar a gestão, não o sistema. “Não podemos ficar culpando as ferramentas. É preciso encontrar os responsáveis pelos erros. Do mesmo jeito que não podemos acabar com as escolas se os alunos estão reprovando demais. Ou seja, é preciso encontrar onde está o problema e atuar para resolvê-lo e não acabar com o melhor lugar destinado a este público”, compara o psiquiatra. De acordo com ele, é preciso entender que a Resolução nº 487 do CNJ faz parte, sim, da esfera da psiquiatria, embora nenhum médico tenha participado da sua discussão.

Dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apontam pouco mais de 3,1 mil pessoas internadas em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico que devem ser soltos se a resolução for colocada em prática a partir do dia 15/05/2023, com prazo até 15/05/2024 para ser implementada. “O assunto é urgente e imprescindível de ser discutido e a sociedade precisa saber que está à beira de conviver com milhares de doentes mentais graves.”

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