ELIMINAÇÃO DA HANSENÍASE – Um desafio a ser enfrentado
Antonio Rafael da Silva e
Eloisa da Graça do Rosário Gonçalves
Médicos Infectologistas, Professores Emérito e Associada da UFMA
Recentemente escrevemos 4 artigos em jornais locais abordando os problemas de Saúde Pública do Maranhão e do Brasil. Foram eles: O Brasil livre de malária: realidade ou utopia?; Pandemias e Meio Ambiente; O SUS e a Mãe Terra; e a Propagação do Calazar e suas consequências para o Maranhão. Nós os escrevemos na tentativa de transportar para a prática o dia a dia das informações produzidas no âmbito das revistas científicas de acesso restrito a professores de universidades, a pesquisadores, cientistas e estudiosos.
Agora, desejamos que o presente artigo leve ao conhecimento público os aspectos dessa doença, cuja porta de entrada no organismo humano dá-se pelas vias áreas superiores e também por áreas lesadas da pele ou mucosa. A milenar doença tem como reservatório o ser humano e como agente causal o bacilo de Hansen, que por ser ainda hoje não cultivável em meios artificiais, dificulta o conhecimento de sua biologia e o entendimento perfeito da sua epidemiologia. Uma outra característica da hanseníase é a resistência desenvolvida do organismo humano ao desenvolvimento desse bacilo.
Quem acompanha a marcha da hanseníase através dos tempos, sabe que está diante de um imenso desafio. Discriminada e negligenciada por séculos, foi o primeiro micro-organismo a ser descoberto e determinante da causalidade de uma doença, fato ocorrido no final do século XIX. Até a segunda metade do século XX, o tratamento baseou-se no uso de medicação única sem se saber se a pessoa acometida estava verdadeiramente curada e as deformidades sua marca registrada. Com o desenvolvimento da moderna química, surgiram duas drogas Rifampicina e Clofazimina que se somaram à Sulfona (a droga mãe, até então utilizada no tratamento), dando origem à Poliquimioterapia (PQT) e a atual (PQT-U).
A introdução da PQT no tratamento da hanseníase pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1982, revolucionou o prognóstico da doença pelo impacto na cura dos pacientes que se traduz pela redução do número de casos registrados a cada ano (incidência e prevalência). Com o sucesso do tratamento, a OMS, a partir de 1991, estabeleceu para o mundo a Meta da Eliminação definida como o alcance de uma prevalência de menos de 1 caso por cada 10 mil habitantes, tendo como fundamento a distribuição gratuita dos medicamentos, além de outras ferramentas de combate às complicações, mirando a possibilidade de levar o mundo ao êxito da meta proposta.
Em publicação no Boletim da OMS do artigo “Hanseníase: doença muito complexa para um paradigma de eliminação”, Lockwood e Sumeetha, já em 2005, chamam a atenção para certos desafios que precisam ser vencidos. A detecção de casos novos, o monitoramento de incapacidades e os danos neurais causados pela doença. Mesmo reconhecendo ser a PQT altamente eficaz no combate à infecção bacteriana, argumentam que como medida isolada não controla adequadamente a hanseníase dando como exemplo o Coeficiente de Detecção de casos que continua elevado nos países com maior carga da doença e citam o Brasil e a India como exemplos. Nessa linha de raciocínio apontamos, baseado em achados de pesquisas que realizamos, características da hanseníase indicadoras de possibilidades e até de limitações para alcançar a desejada meta de eliminação desse agravo à saúde dos povos.
Entre as Possibilidades, a de ser uma doença curável, de fácil diagnóstico e de tratamento eficaz e gratuito; a doença se apresenta pelo aparecimento de manchas ou outras alterações da pele (com perda de sensibilidade que inicia pela térmica, seguindo-se da dolorosa e táctil); empenho em realizar diagnóstico e tratamento precoces para obter a cura clínica e evitar o comprometimento de nervos periféricos que podem evoluir para incapacidades localizadas em membros superiores e inferiores; a doença iniciar quase sempre pela Forma Clínica Indeterminada, benigna, curável sem sequelas, portanto, sua predominância nas estatísticas é indicadora de um Serviço de Saúde que busca a Eliminação da doença. Por fim, cerca de 70 a 90% da população não desenvolve a doença mesmo submetido ao contágio prolongado.
Entre as Limitações estão: ocorrer a transmissão da doença da pessoa portadora de bacilos ainda não tratada à pessoa sadia e suscetível; retardo no diagnóstico e no tratamento, traduzindo-se no predomínio de pacientes multibacilares (MB ) das formas clínicas Dimorfa e Virchowiana; ser uma doença crônica podendo na sua evolução ser agravada pelo aparecimento de Reações Hansênîcas indutoras de incapacidades físicas; persistência do agravo em menores de 15 anos indicador de transmissão ativa; longo período de incubação que varia de 2 a 5 anos, em média, associado à lenta progressão da doença.
Para a Eliminação da Hanseníase, nosso país conta com um Sistema de Saúde Universal, Integrado e Descentralizado, tendo como motor a Atenção Básica – um subsistema de grande capilaridade, desejável e importante para vencer esse desafio que ao nosso ver inclui: a} Fazer a hanseníase constar na agenda de prioridades da saúde nos estados e municípios que mantêm a maior carga da doença; b} Melhorar a gestão priorizando a Busca Ativa de Casos como garantia do diagnóstico e tratamento precoces; c) Melhorar o conhecimento cientifico do profissional de saúde e sua capacidade de utilização dos meios semióticos para o atendimento à pessoa suspeita, a acometida e seus comunicantes; d) Utilizar-se, sempre que necessário, do sistema de Referência e Contra Referência para garantir o diagnóstico correto e o tratamento adequado das complicações; h) Estimular e valer-se dos avanços das pesquisas sobre a evolução da doença no organismo humano, na vigilância dos comunicantes e na resposta ao tratamento; i) investir em educação e saúde junto à população e buscar parceria com o setor educacional.
Lembramos, com orgulho, os 34 anos da Constituição Cidadã. Eliminar a hanseníase do nosso país é uma questão de justiça social e uma conquista democrática e humana.
Antonio Rafael da Silva e Eloisa da Graça do Rosário Gonçalves
Médicos Infectologistas, Professores Emérito e Associada da UFMA