Lockdown: impactos sociais e econômicos e políticas públicas necessárias e urgentes

Felipe de Holanda (DECON/UFMA)

A economia maranhense ainda se recupera da grande recessão brasileira, de 2015-16, seguida de estagnação, até a chegada do Covid-19, que se revelou especialmente cruel para os Estados do Norte e Nordeste, porque subtraiu recursos dos Fundos de Participação do Estado e dos Municípios, que representam 50% da arrecadação do Estado e mais de 90% das receitas, da ampla maioria dos municípios maranhenses. A população foi castigada também pelo desaparecimento dos gastos federais no Estado, pela redução da cobertura dos programas sociais e pelas reformas trabalhistas que cassaram direitos dos trabalhadores e reduziram a massa de rendimentos dos ocupados. O desemprego de longo prazo e a precarização, que já eram mais elevados no Estado, em relação à média nacional e regional, cresceram fortemente nos últimos cinco anos,  fragilizando uma parcela expressiva da população. A combinação dos três movimentos mencionados, produziu aumento da invisibilidade de muitos maranhenses, nordestinos e brasileiros, aos cadastros dos programas sociais. No Maranhão, como em todo o país, vai crescer muito a extrema pobreza. Precisamos fazer uma busca ativa daqueles que estão invisíveis para os programas de auxílio do governo federal. As estatísticas ocupacionais do IBGE e do Sistema RAIS/CAGED fornecem importantes informações para subsidiar tal busca ativa.

O governo do Maranhão, depois de 2015, e não por falta de diagnóstico, viu suas despesas em saúde, educação e segurança se expandirem rapidamente, enquanto as transferências federais caíram 6%, descontada a inflação, em 2016, por exemplo, o que resultou na deterioração da posição financeira do Estado. O montante concedido de financiamentos imobiliários  do Sistema Financeiro da Habitação para o Maranhão, alcançaram 1,1 bilhão em 2014. Em 2019, mesmo com o crescimento dos bancos privados, não ultrapassou R$ 400 milhões.

O Estado do Maranhão e todos os demais estados do Brasil, assim como uma grande parte das nações do planeta, nos quais a pandemia  vem produzindo impactos severos, sofrem com a combinação de crises econômicas, de três tipos distintos e simultâneos:  a. de oferta, com a parada inicial de inúmeras cadeias produtivas internacionalizadas; b. de demanda, com a necessária implantação das medidas de isolamento social e financeira, na medida em que desaparece a demanda correntes dos negócios; c. crise financeira, dada a explosão da aversão ao risco e da preferência pela liquidez.

Em um momento como este, a ampliação da oferta monetária é fundamental para evitar crises e falências bancárias em cadeia, assim como irrigar de crédito empresas e consumidores. Mas, em uma conjuntura como esta, com o dispêndio privado encolhendo rapidamente, o impacto da política monetária é em si pequeno, do ponto de vista da sustentação do emprego e da renda. A ampliação do gasto público, devidamente transparente e direcionada, é a política que, desde Keynes e seus ensinamentos sobre a grande recessão dos anos 1930, tem a capacidade de contribuir eficazmente para evitar o aprofundamento da espiral de desemprego e mortalidade empresarial no Brasil. E, já é necessário, assim, como vemos na Inglaterra neste momento, que o Banco Central do Brasil possa financiar diretamente gastos emergenciais do Tesouro, à medida em que se constata o esgotamento simultâneo, em várias grandes metrópoles brasileiras, da capacidade do sistema de saúde em receber e amparar doentes graves do Covid-19.

A saída do isolamento social, cuja estratégia pode e deve ser discutida, mas que não se coloca como medida prática neste momento para a grande maioria das cidades brasileiras atingidas, que precisam, ao contrário, reforçar os protocolos de isolamento social, neste momento em que o Brasil vai se convertendo rapidamente, no maior caso de COVID das Américas. Ultrapassado o pico da infestação (que tudo indica não acontecerá em maio), a saída do isolamento, deverá ser lenta, na  medida em que ainda não existe vacina contra a COVID-19 e, não sabemos, nem mesmo, se aqueles que se curaram serão ou não imunes ao patógeno do futuro próximo.  A lenta saída, que irá ocorrendo em ritmos diferenciados nas várias regiões e estados do país, será possível somente se for conduzida pelo método científico, multidisciplinar, testando-se o terreno, com cuidado, porque as políticas públicas mobilizadas hoje, nesta Guerra Epidemiológica, só serão de fato testadas e avaliadas, em 2 a 3 semanas, um oceano de tempo, em termos do custo potencial de vidas e riqueza que se podem perder, durante uma crise como esta.

É importante recordar que a experiência internacional demonstra que só é possível iniciar o movimento de desmobilização do isolamento social, com segurança, quando estivermos de novo dentro do limite da capacidade do sistema hospitalar, e, quando estivermos testando em massa, confinando os infectados ao longo da cadeia de transmissão. Este é um grande desafio para os Governos e para a sociedade maranhense e brasileira.

No Brasil, infelizmente, as ações do Governo Federal, algumas na direção correta, têm sido caracterizadas pela demora e desarticulação, além de serem sabotadas pelo Presidente da República. Existe um problema gravíssimo de comunicação social, com o Presidente Jair Bolsonaro encarnando o Sinistro, Obtuso & Truculento Líder Necropopulista, incitando as pessoas a se exporem à doença e a morte. Genocídio.

No que se refere às medidas de política econômica, privativas do Governo federal, muitas delas estão sendo tomadas de maneira descoordenada, com atraso no desenho e na implantação e, sobretudo, com enorme lentidão e ineficiência na capilarização dos recursos, que é a coisa mais importante no momento, para evitar o aprofundamento da recessão, a espiral  deflacionária de muitos preços e o aumento vertiginoso da desocupação e da mortalidade empresarial. Um dos aspectos da abordagem inadequada que o Ministério da Economia vem dando, no gerenciamento desta grave crise de saúde pública, é que a ampliação do crédito a disposição dos bancos, não está chegando para a maioria das micro e pequenas empresas e até para as médias, o que contribui para ampliar demissões.

O Lockdown¸ ou “trancamento total”, na Ilha do Maranhão, é a medida extrema e necessária, a ser adotada, quando uma epidemia causa o esgotamento dos recursos hospitalares. Pesquisa da CNI aponta que 4 entre 10 brasileiros tiveram perda total ou parcial da renda. Alguns setores praticamente paralisaram, a exemplo dos transportes aéreos, hotelaria e turismo, alimentação fora de casa e lazer e entretenimento, por exemplo, que são grandes empregados na área de serviços, vem demitindo fortemente, desde meados de março. Estimamos que, mesmo com as até aqui tímidas medidas de apoio ao emprego formal aditadas pelo Governo federal, mais de 5 milhões de trabalhadores formais já perderam o emprego. A situação dos trabalhadores autônomos e pequenos empresários informais é muito, muito pior e se agrava com rapidez ainda maior.

No processo de transição para a nova normalidade econômica pós Covid-19, haverá importantes mudanças nos hábitos de consumo da população. E a migração da prestação de serviços e consumo para dentro das plataformas e redes sociais ganhará um impulso extraordinário. Mais do que nunca, precisamos nos conscientizar que (cada um de nós) é importante na batalha pela organização e convencimento, neste momento que exige (de todos nós), a prática de novas e mais humanas formas de solidariedade coletiva.

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