Manifesto de um morador da Praia Grande

Do blog Pequena companhia de Teatro

Katia e eu somos moradores do Centro Histórico de São Luís há vinte anos, aproximadamente – ela a mais tempo do que eu. A Pequena Companhia de Teatro também é sediada aqui, na Praia Grande. Morar e estabelecer-se profissionalmente no centro da cidade é uma ação política, e uma atividade permanente.

Ouço e leio, com frequência, comentários acerca da importância de atividades com foco na ocupação do Centro Histórico de São Luís, sem ouvir por parte dos locutores e escritores a importância de que essas ações sejam permanentes.

Regularidade. Persistência. Paciência. Resistência. Permanência. Qualquer transformação só é possível a partir desses predicados. Manter um espetáculo em temporada regular possibilita ao espectador a decisão de ver uma apresentação quando ele quiser, e não quando o artista quiser que ele queira. São as ações regulares que aproximam o indivíduo de uma linguagem, de um projeto, de uma intenção, de uma apresentação, de um bairro.

Cante tango todas as terças na Praça Nauro Machado e os aficionados de tango lhe seguirão, como é de praxe, mas os menos apreciadores do gênero, sabendo da existência do empedernido cantor, saberão aonde ir quando o desejo inesperado de ouvir um tango se apresentar.

Sinto fastio ao ver meu bairro servindo de discurso promocional em esporádicos eventos, atividades, situações ou discussões e, em seguida, desqualificado pelos mesmos promotores com as tachas quase indissociáveis de sujo, perigo, decadente. Ao reforçar esse discurso não percebem que também desqualificam ações como a nossa: como assim, cara pálida? Eu moro aqui e não vejo a menor diferença entre a sujeira e a insegurança deste bairro e a de qualquer outro da cidade, inclusive os mais nobres.

Ademais, essas atividades quase nunca são acompanhadas de ações efetivas para a humanização da Praia Grande, pelo contrário, focam seus esforços em convencer o cidadão para que não deixe de aparecer durante o evento, aquele recorte de tempo necessário para o sucesso da empreitada – fator que provoca a curiosa situação de termos cidadãos ludovicenses visitando o Centro Histórico pela primeira vez. (Vale aqui a velha máxima, assunto para uma próxima postagem: cultura não é evento).

A única ação concreta que viabilizaria a humanização do Centro seria a residencial. A Praia Grande precisa de mais moradias, mais moradores, mais artistas moradores, mais reuniões de vizinhos, mais passeios com o cachorro, mais saídas para comprar pão, mais futebol na rua, mais cadeiras nas calçadas, mais zoada. Menos repartições, secretarias, instituições, burocracia. O Centro precisa de mais cheiro de gente depois das seis da tarde. Se a vida do homem só se efetiva em sociedade, um bairro só se efetiva se servir como instrumento de socialização desse homem, do contrário, vira um amontoado de prédios desusados. Portanto, se quiser ajudar, venda seu apartamento e compre um sobrado. Seria uma alegria tê-lo como vizinho, e poder lhe pedir uma xícara de açúcar emprestada.

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