Parlamentares barram projeto que obriga a Receita a analisar as declarações de renda de deputados e de senadores
Correio Braziliense
O Ministério da Fazenda e a Receita Federal anunciaram na última semana que vão apertar o cerco contra a prática de enriquecimento ilícito no serviço público, passando a monitorar, periódica e sistematicamente, a evolução patrimonial dos servidores. Nos demais órgãos federais, todos os funcionários são obrigados a apresentar anualmente uma declaração de bens e valores que permite a fiscalização analisar, só que por amostragem, se a variação de patrimônio é compatível com os salários. Já no Congresso, como acontece em quase tudo que se refere a políticos, os parlamentares estão longe desse acompanhamento. Além de não serem obrigados a prestar contas anualmente, eles emperram a votação do projeto que os obrigaria a passar pela malha fina do Fisco obrigatoriamente.
Os congressistas hoje só prestam contas de como gastam o dinheiro pago pela população em ano de eleições ou ao Fisco, como faz um cidadão comum que recebe salários. A proposta que inclui todos os 594 congressistas, o presidente da República, ministros e integrantes do Judiciário na malha fina obrigatória, no entanto, não anda no Congresso. “Isso poderia evitar que muitas irregularidades praticadas só viessem a ser descobertas anos após os atos de improbidade terem sido praticados e os desfalques terem assumido grandes proporções”, justifica o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), autor do projeto que tramita desde 2009 de forma conclusiva nas comissões do Senado.
Por todos os colegiados por onde passou, o corporativismo falou mais alto e o texto acabou rejeitado pela maioria. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o relator, Francisco Dornelles (PP-RJ), deu parecer contrário ao projeto por acreditar que ele “erige a presunção de que os agentes públicos de que trata são suspeitos, até que se apure a regularidade das situações patrimonial e fiscal, estabelecendo, assim, indevido tratamento discriminatório”.
Em agosto deste ano, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Cristovam Buarque chegou a insistir que a ausência do desconto do Imposto de Renda sobre o pagamento dos 14º e 15º salários dos parlamentares, revelada pelo Correio, seria evitada se a proposta de sua autoria já estivesse em vigor. Mas apenas os senadores Eduardo Suplicy
(PT-SP), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Pedro Taques (PDT-MT) votaram a favor e o texto acabou derrubado mais uma vez. Agora, para seguir a tramitação, algum senador teria que apresentar recurso para levar o texto ao plenário. Caso contrário, ele morre no Senado mesmo.
O deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) afirma que tentará reproduzir a proposta na Câmara em 2014, pois só é possível repetir um texto rejeitado no ano seguinte da legislatura. “Quanto mais transparência, melhor, pois quem é a pessoa politicamente exposta tem que ser obrigada a prestar contas sempre”, argumenta. “Agora que as emendas individuais serão impositivas, essa obrigação será ainda maior para não deixar qualquer margem de dúvida sobre possível vínculo entre empresas e o apresentador das emendas.”
Servidores
A previsão de acompanhamento constante da evolução patrimonial dos servidores da Fazenda e da Receita foi determinada em portaria assinada pelas corregedorias dos órgãos e publicada na última quinta-feira no Diário Oficial da União. De acordo com o documento, a análise terá “caráter investigativo e sigiloso” e integra um conjunto de atividades voltadas à prevenção e à apuração de irregularidades disciplinares de servidores. Nos demais prédios da Esplanada, é exigido que os servidores entreguem uma declaração anual de bens ou autorizem o acesso do departamento fiscalizador à declaração do Imposto de Renda.
De acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), a análise sobre a evolução patrimonial é feita por amostragem, selecionando aleatoriamente uma quantidade predeterminada de funcionários em cada órgão. Quando detectados indícios de que houve um aumento do patrimônio de forma incompatível com o salário e sem explicação, é instaurado um procedimento de investigação preliminar para apurar eventual enriquecimento ilícito. Se comprovada a irregularidade, o servidor pode ser punido até com a expulsão do cargo.
A preocupação não é à toa. Segundo dados da CGU, somente em 2013, foram aplicadas 151 penalidades a funcionários do Executivo Federal por improbidade administrativa, desvio de conduta em que está incluído o enriquecimento ilícito. Desde 2003, são 1.671 punições, como demissão, cassação de aposentadoria, destituição do cargo e perda da função pública.
O professor de direito administrativo do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Sidraque Anacleto, especialista em servidor público e controle da administração, defende que a medida adotada pela Fazenda e pela Receita deveria ser estendida a todos os poderes e os estados, incluindo parlamentares e outras autoridades que recebem dinheiro público. “Quem está no serviço público, o que inclui os políticos, tem que saber das regras, a evolução patrimonial tem que ser compatível com a renda, e o governo tem muitas formas de verificar isso, basta ter vontade política”, defende.
O que diz a lei
» De acordo com a Lei nº 8.429/92, todos os servidores e empregados públicos do Poder Executivo Federal têm que apresentar anualmente, às unidades de recursos humanos dos órgãos em que atuam, declaração de bens e valores ou autorizar o acesso à Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, com as respectivas retificações, entregue ao Fisco. O objetivo é permitir “a análise da evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade dessa variação com os recursos e disponibilidades que compõem o patrimônio”. Essa verificação é feita por amostragem pelos órgãos de controle, como a CGU, ou após denúncia.
» Os políticos com mandato eletivo são obrigados apenas a apresentar declaração de bens à Justiça Eleitoral quando são candidatos. O documento é assinado pelo próprio, que se responsabiliza pelos dados ali contidos. Entre uma eleição e outra, não há qualquer exigência de prestação de contas, a não ser a que é feita por todo cidadão comum ao Fisco.