As empresas podem ou não demitir por justa causa quem não quiser se vacinar?
Por Marcus Vinícius Suruagy Amaral Borges (*)
A Portaria nº 620 do Ministério do Trabalho e Previdência (“MTE”), publicada no início deste mês e que visa coibir atitudes discriminatórias de empregadores a seus empregados, seja no ato da contratação, demissão ou durante a vigência do contrato de trabalho, traz insegurança às empresas. Neste momento, é preciso evitar demitir por justa causa em razão de não vacinação de covid-19, ao menos enquanto não houver mais esclarecimento.
Na fase de contratação, a portaria visa proibir a exigência ao empregado pelo empregador de “(…) quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez” (Artigo 1º).
Já durante o contrato de trabalho, a norma estabelece que os empregadores poderão oferecer aos seus trabalhadores a testagem periódica de Covid-19, “(…) ficando os trabalhadores, neste caso, obrigados à realização de testagem ou a apresentação de cartão de vacinação” (Artigo 3º).
Ainda foi imputado ao empregador o dever de “(…) estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho, incluindo a respeito da política nacional de vacinação e promoção dos efeitos da vacinação para redução do contágio da COVID-19”.
No que se refere ao encerramento do contrato de trabalho, a portaria, fazendo menção a Lei nº 9.029/95, estabelece que além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre a reintegração (com ressarcimento integral de todo o período de afastamento) ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, em caso de demissão por ato discriminatório, inclusive a exigência de vacinação.
A portaria, tema central do presente artigo, foi editada em sentido contrário ao que vinha se posicionando o Judiciário, como por exemplo, a decisão proferida pela 13ª Turma do TRT/SP, no processo 1000122-24.2021.5.02.0472, a qual manteve a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza que trabalhava em um hospital e não se vacinou por opção.
Nesse mesmo sentido, o Ministério Público do Trabalho possui o entendimento que é aplicável a demissão por justa causa (art. 482 da CLT) de empregados que optarem por não se vacinar. Importante destacar que até o presente momento não houve pronunciamento do TST sobre o assunto. Por outro lado, o TST passará a exigir a vacinação para entrada na e circulação na Corte (GP.GVP.CGJT 279/2021).
Por meio de duas ADIs (6586 e 6587) e um recurso extraordinário (ARE 1.267.879), o STF analisou a constitucionalidade sobre a vacinação contra a covid-19, havendo um entendimento unânime de que “o direito à saúde coletiva deve prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica. Considerou-se ilegítimo, em nome de um direito individual, comprometer o direito da coletividade”.
Nada obstante, certamente haverá uma discussão acerca da constitucionalidade da Portaria nº 620 do MTE e o fato de possivelmente ter havido uma usurpação de competência.
O fundamento dos que defenderão a constitucionalidade certamente se baseará no artigo 8º da CLT, qual seja, “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
Por outro lado, o fundamento dos que entendem ser inconstitucional se baseará no fato de que Portarias somente podem ser editadas para regulamentar Leis já existentes e que as Leis devem ser criadas através do legislativo (Artigo 22, inciso I da CF/88).
Considerando a insegurança trazida pelo MTE, ao publicar a Portaria 620/21, é prudente que as empresas não demitam empregados por justa causa (em razão de não vacinação de covid-19) até que o judiciário aprecie a constitucionalidade da norma em questão, tanto em relação forma, quanto ao seu teor.
* Marcus Vinícius Suruagy Amaral Borges é advogado trabalhista do Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados