Infidelidade financeira: 4 em cada 10 casais têm problemas por não dividirem informações sobre dinheiro

Correio Braziliense

Todo casal sonha com o “felizes para sempre”, mas viver a dois exige diálogo e planejamento quando o assunto é dinheiro. Considerado tabu em alguns lares brasileiros, o tema é motivo de brigas para quatro em cada 10 brasileiros casados, de acordo com o SPC Brasil. Entender como o parceiro se relaciona com as finanças e adequar os diferentes perfis de consumo pode ser a chave para o sucesso financeiro da família.

A planejadora financeira Annalisa Blando Dal Zotto, sócia-fundadora e diretora-geral da Par Mais, afirma que infidelidade financeira é o segundo motivo que mais causa divórcios entre casais no mundo. “O que acontece é que há pouca educação financeira e cada um se relaciona com finanças de um jeito diferente, o que leva a atritos”, explica.

Não contar sobre compras, deixar as sacolas no carro, omitir dívidas e ter aplicações e investimentos financeiros escondidos do parceiro é uma “grande quebra na confiança”, analisa a especialista. “O casamento é uma sociedade. Quando um sócio omite despesas para o outro, pode causar problemas no negócio. O mesmo acontece no casamento. É difícil que o relacionamento vá para frente com tantas mentiras”, destaca.

O estudo do SPC Brasil apontou que as discordâncias sobre despesas de casa, falta de reservas para imprevistos e não querer pagar pelos gastos do cônjuge estão entre os principais motivos de briga. Entre os brasileiros casados, 40% não contam sobre todas as compras para o companheiro.

Omissão

Não falar sobre como usam os recursos financeiros é o pior erro que um casal pode cometer ao tentar levar uma vida a dois. Se o casal nunca falou sobre o assunto, nem mesmo durante o namoro, o momento é agora. “É importante ter objetivos em comum, não tem como ir para frente se um quer ir para a direita e o outro, para a esquerda”, sugere Annalisa. Ela recomenda que o casal combine o que será feito com a renda familiar e defina os planos e as estratégias para alcançar os objetivos.

Adiar a conversa pode causar mais problemas. Se a situação já está no extremo e um dos parceiros está endividado pode acabar se afundando mais ainda. “A pessoa acaba fazendo extravagâncias em casa para o parceiro não desconfiar que a situação está ruim. Com isso, acaba gastando mais ainda e piorando a situação”, aponta o educador financeiro, Pedro Madureira Neto, diretor da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).

O educador financeiro aconselha que as famílias dediquem um tempo para se reunir, mensalmente, com a presença dos filhos e, com o planejamento financeiro e o orçamento da família em mãos, analise para onde os recursos serão direcionadas.

A nutricionista Juliana Braga e o advogado Pablo Sanches Braga, ambos com 36 anos, precisaram aprender cedo como organizar as finanças. Casados há 18 anos, Juliana conta que, desde o namoro dividiram tudo. “Vivíamos de mesada e se queríamos ir ao cinema, por exemplo, um pagava os ingressos e o outro, a pipoca, por exemplo”, relembra.

Quando o casal teve filhos, decidiram que Juliana priorizaria cuidar dos filhos e Pablo ficaria com a maior parte das despesas da casa. “Ele nunca teve problema em dividir o dinheiro. Sempre foi da família”, argumenta Juliana. Para manter a sintonia, o casal sonha junto: a prioridade é a educação das crianças, por isso escolheram a escola a dedo, mesmo que custe um pouco mais caro no fim do mês.

Hoje, Juliana está começando um novo negócio e ajudando em casa. Juntos, decidiram que ele continuaria com as despesas mais rotineiras, como contas domésticas, supermercado e escolas e ela com os cursos extras dos filhos e reserva para as férias. A conta bancária é conjunta e fica sobre a responsabilidade de Pablo. O casal mantém um fundo de reserva fixo, com o valor suficiente para mantê-los por seis meses. “Sempre sentamos e conversamos sobre o que foi feito no mês, quanto depositei e as movimentações. Ela também sabe dos meus investimentos, não em detalhes, mas sempre quanto temos”, analisa.

Realidade

A psicóloga e orientadora em comportamento financeiro, Patricia de Rezende, idealizadora do site PsicologiaFinanceira.com.br, ressalta que a partir do momento em que duas pessoas decidem compartilhar a vida, o dinheiro será parte disso. Para ela, o diálogo sozinho não basta. É importante que o outro conheça a realidade financeira do parceiro. “As diferenças de conduta financeira são determinadas pela dinâmica emocional, independente do sexo. Podemos ter homens ou mulheres mais econômicos ou compulsivos para gastos”, menciona.

A especialista ressalta que as diferenças entre as pessoas devem ser encaradas como aspectos positivos e saudáveis. “O casal tem que encontrar um ponto de equilíbrio. O parceiro pode ser um aliado para ajudar no que temos dificuldade e ser um complemento”, complementa.

“O casamento é uma sociedade. Quando um sócio omite despesas para o outro, pode causar problemas no negócio. O mesmo acontece no casamento. É difícil que o relacionamento vá para frente com tantas mentiras”
Annalisa Blando Dal Zotto, planejadora financeira

“É importante ter diálogo. Já tivemos problemas financeiros, mas hoje lidamos muito bem com isso. Quando o bolso não vai bem, afeta o relacionamento”
Anderson Guimarães, vendedor

Regime de bens define o futuro

Apesar de o assunto parecer delicado, o tema dinheiro deve ser tratado com naturalidade antes mesmo de se pensar em oficializar uma união. Na hora de formalizar o casamento, o casal precisará decidir o regime de bens que vai reger a vida em comum. “Percebo que as pessoas se preocupam com tudo do casamento para só depois pensar sobre como será a divisão de bens”, a advogada especializada em direito de família e sucessão Ivone Zeger.

De acordo com especialista, a escolha pode ser determinante em algumas situações, como, por exemplo, em caso de dívida de uma das partes. Se os bens são compartilhados, o parceiro pode ser prejudicado com penhoras ou, até mesmo, perda do patrimônio para quitar as pendências. “Quando a escolha é por um regime parcial ou comunhão total, o outro terá que arcar com os problemas, queira ou não. Ninguém tem obrigação de pagar pelos gastos pessoais do outro, e sim o que for para o casal”, aponta a advogada.

Individualidade

De acordo com o SPC Brasil, quatro em cada 10 entrevistados casados não sabem exatamente quanto o cônjuge ganha por mês, mas isso não deve ser encarado como invasão de privacidade. Mesmo que não queira contar o valor exatamente, é importante esclarecer quanto dispõe da renda para os gastos do casal e da casa.

Na casa da coaching Lilian Guimarães, 44 anos, e do vendedor Anderson Guimarães, 47, não existe o dinheiro dela ou dele, é sempre dos dois. Como salário de Anderson varia por conta das comissões das vendas, a esposa não sabe exatamente a quantia, apenas uma média de quanto ele recebe por mês e do valor do orçamento destinado gastos individuais. “Não temos uma divisão exata das contas. A gente junta tudo e cada um paga o que for chegando”, explica Lilian.

Anderson conta que as vendas variam por época do ano e que Lilian sempre é prestativa em custear a maior parte das despesas quando o movimento cai. Antes, o casal tinha conta conjunta, hoje, cada um possui a própria, mas ambos depositam uma quantia para reservas financeiras da família. “É importante ter diálogo. Já tivemos problemas financeiros, mas hoje, lidamos muito bem com isso. Quando o bolso não vai bem, afeta o relacionamento”, admite Anderson.

A economista do SPC Brasil, Marcela Kawauti ressalta que ser casado não significa abrir mão de todas os gastos individuais. Se ambos concordam que é necessário ter “um espaço” financeiro, devem estipular uma quantia do orçamento para que cada um possa gastar livremente com o que achar necessário. “É sempre importante que o casal queira preservar um certo limite de privacidade. Decidam, juntos, quanto cada um pode gastar, um valor que esteja no orçamento”, aconselha.

Outro grande dilema é saber como dividir as despesas domésticas. De acordo com os especialistas, não tem manual com as regras: o casal deve encontrar um meio termo. Uma das possibilidades é que cada um contribua proporcionalmente ao que ganha. “Percebo que quem ganha mais espera que o outro pague a mesma quantia. Isso pode sufocar o parceiro. Quem ganha mais não deve exigir que o outro mantenha o mesmo padrão. Não tem que pensar que ‘esse dinheiro é só meu’, o casamento é sociedade. Gasta junto e vive junto”, estimula Annalisa.

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