O peso de envelhecer: planos de saúde, reajustes e exclusão

Por Pedro Ivo Corrêa, advogado

A classe média brasileira enfrenta, de forma cada vez mais visível, uma crise silenciosa no acesso à saúde. Em um país onde o sistema público de saúde convive com limitações estruturais e alta demanda, depender exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) representa um desafio que muitos buscam evitar. Diante disso, contratar um plano de saúde passou a ser, para grande parte dessa população, não apenas uma escolha de conforto, mas uma estratégia de proteção diante das incertezas do sistema. No entanto, o que antes era visto como símbolo de ascensão e segurança tornou-se uma missão quase impossível. A realidade é que o brasileiro inserido no espectro da classe média, com renda domiciliar per capita entre R$ 1.926,00 e R$ 8.303,00 – segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) – está sendo empurrado para fora do sistema de saúde suplementar, exatamente quando mais precisa dele.

A contratação de planos coletivos por adesão, planos empresariais por MEI ou pequenos grupos, ou ainda modalidades com coparticipação, são as alternativas que essa parcela da população busca como forma de sobreviver dentro do sistema. Mas o custo ainda é alto. As mensalidades, mesmo nas opções mais básicas, consomem uma fatia significativa da renda, e os reajustes ocorrem em ritmo descompassado com os reajustes salariais e com os ganhos de que trabalho por conta própria. Entre os principais fatores que tornam os planos insustentáveis estão os aumentos por mudança de faixa etária e os reajustes anuais, seja por índice autorizado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ou por cláusulas contratuais abusivas nos planos coletivos, com base na chamada sinistralidade.

O modelo é perverso. Penaliza quem adoece, quem envelhece, quem mais precisa. E a perversidade se revela com maior nitidez na última faixa etária estabelecida pela ANS: aos 59 anos, o consumidor entra numa fase em que a mensalidade pode chegar a ser várias vezes mais cara do que aquela paga por um jovem de 18. É nesse momento, em que a idade traz maior vulnerabilidade e a renda já começa a se estabilizar ou cair, que o idoso é empurrado para fora do sistema. O Estatuto do Idoso proíbe reajustes por idade após os 60 anos, mas isso pouco resolve: o aumento já foi aplicado no ano anterior, com base na norma técnica, deixando milhares de brasileiros em condição de abandono.

Essa situação expõe a falência de um modelo de saúde suplementar construído sob a lógica do lucro, não da dignidade. E se engana quem pensa que essa é apenas uma discussão econômica. Trata-se de uma relação de consumo e, como tal, deve ser regida pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor. A boa-fé objetiva, o equilíbrio contratual, o dever de informação clara e adequada, a proteção do hipervulnerável – todos esses princípios vêm sendo sistematicamente violados pelas operadoras de plano de saúde. As cláusulas contratuais são difíceis de compreender, os reajustes são mal explicados ou sequer informados com antecedência, e os mecanismos de contestação são ineficientes. A ANS, embora cumpra papel importante na regulação do setor, não tem sido capaz de impedir a sangria financeira que afeta os usuários.

Mesmo diante desse cenário de aperto financeiro para os consumidores, as operadoras de planos de saúde seguem apresentando lucros bilionários, como amplamente noticiado na grande mídia. A lógica mercadológica permanece intocada, ainda que às custas da exclusão de milhares de beneficiários. Em contrapartida, cresce de forma exponencial a judicialização da saúde suplementar, transformando o acesso a tratamentos, terapias, medicamentos, internações e cirurgias em uma verdadeira guerra de liminares. O que deveria ser garantido contratualmente — com base no princípio da confiança e no dever de boa-fé — acaba sendo negado até que o Judiciário seja provocado, sobrecarregando o sistema de justiça e impondo desgaste emocional e financeiro ao consumidor, já fragilizado pela própria condição de saúde.

No fundo, o que estamos vendo é uma expulsão silenciosa da classe média do sistema de saúde privado. E essa expulsão se agrava justamente no momento mais crítico: quando o tempo passou, o corpo pede cuidado, e a aposentadoria não cobre mais os gastos que antes eram possíveis. O que deveria ser a “melhor idade” se torna o maior pesadelo financeiro. Os planos de saúde, que foram contratados com sacrifício durante toda a vida, tornam-se inviáveis e acabam cancelados. E o retorno ao SUS, ainda que digno em muitas frentes, representa um choque de realidade para quem acreditou que pagar plano por décadas garantiria um tratamento mais célere, digno e humanizado.

A classe média brasileira está acuada. Não tem renda suficiente para arcar com o custo integral da saúde privada, mas também não dispõe de um sistema público suficientemente estruturado para responder à crescente demanda por cuidados. É nesse limbo que milhões de pessoas vivem, adoecem e, infelizmente, morrem. A saúde virou privilégio. E quando isso acontece, é o próprio pacto civilizatório que começa a ruir. É urgente repensar esse sistema. Não se trata apenas de proteger o consumidor, mas de resgatar o sentido de humanidade nas relações sociais e contratuais que envolvem a vida, a doença, o envelhecimento e a morte. Manter um plano de saúde no Brasil, hoje, é um ato de resistência. E não deveria ser.

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