Políticos vs. Médicos: O Teatro da Hipocrisia

Por Diego Carvalho
As invasões de políticos em hospitais, disfarçadas de “fiscalizações”, têm se tornado uma prática comum, mas não trazem benefícios reais aos pacientes. Ao contrário, servem apenas como trampolim para a autopromoção dos vereadores nas redes sociais.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou seu repúdio a essas ações, que desrespeitam a dignidade dos profissionais de saúde e comprometem a qualidade do atendimento.
O Espetáculo das Invasões
Nos últimos anos, figuras como Gabriel Monteiro, ex-vereador do Rio de Janeiro e youtuber, tornaram-se ícones dessa prática. Desde 2020, ele invadiu hospitais, hostilizando profissionais de saúde e criando um ambiente de medo e desconfiança. Um episódio emblemático ocorreu em 2021, quando ele deu voz de prisão a um médico em horário de repouso, acusando-o de estar dormindo durante o expediente. Essa ação não apenas gerou discursos de ódio, mas também expôs a equipe médica no CTI (Centro de Tratamento Intensivo), repleto de pacientes graves em ventilação mecânica, gerando grave risco de contaminação e mortes. Colocando a riscos desnecessários durante a pandemia.
Desde então, a invasão de hospitais por políticos virou prática comum sob o pretexto de fiscalizar o atendimento dos pacientes, mas com o único objetivo de ganhar visibilidade nas redes sociais. Em 2025, essa prática criminosa atingiu seu ápice, com casos seguidos nos estados de Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Recentemente, um episódio em Minas Gerais teve consequências fatais.
A Demagogia que Mata
No dia 3 de fevereiro, um vereador invadiu uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Minas Gerais, durante o atendimento a um paciente em estado grave, alegando fiscalizar a demora no atendimento. Essa ação desestabilizou a equipe médica e culminou na morte de uma paciente de 93 anos. Os familiares descreveram a atitude do vereador como arrogante e desumana, ilustrando o quão longe pode chegar a busca por visibilidade a qualquer custo.
A prefeitura local também se manifestou, criticando a ação do parlamentar e afirmando que sua atitude “não faz jus ao mínimo de humanidade e empatia”.
Fiscalização ou Espetáculo?
Essas “fiscalizações” se revelam meros espetáculos midiáticos, que violam prerrogativas médicas e expõem os profissionais a situações de constrangimento. A verdadeira fiscalização deve ser realizada de maneira técnica e respeitosa, visando melhorias para a saúde pública, não o tumulto e a desordem.
Embora os vereadores tenham a prerrogativa de visitar unidades de saúde, essas visitas devem ser feitas com responsabilidade e respeito. É fundamental que qualquer fiscalização seja acompanhada por um responsável técnico, respeitando a privacidade de pacientes e médicos, e observando rigorosamente a legislação, incluindo o sigilo médico e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
As Consequências das Invasões
Gabriel Monteiro, por exemplo, foi condenado a indenizar médicos que foram alvo de suas ações, evidenciando que a legislação não tolera abusos. O Conselho Regional de Medicina (CREMESP) também se posicionou, destacando que a atuação dos parlamentares deve respeitar os direitos dos profissionais e pacientes.
Recentemente, o CREMESP obteve na Justiça uma liminar contra um vereador que invade hospitais, impondo multa em caso de novas infrações. Apesar disso, o vereador ignorou a decisão, afirmando que continuará suas ações.
A Necessidade de um Marco Legal
Desde 2020, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que tipifica como crime a invasão de áreas restritas em hospitais sem autorização. O texto prevê penas que variam de três a seis meses de detenção ou multa, e de seis meses a dois anos em casos de violência ou múltiplos invasores. Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em 2023, o projeto ainda aguarda novas deliberações.
Como os Médicos Devem Agir?
Médicos que enfrentam invasões devem adotar medidas imediatas para se proteger:
Mantenha a calma: Evite confrontos, pois isso pode gerar mais exposição negativa.
Grave tudo: Documente a invasão para ter provas.
Chame a segurança e a polícia: Se necessário, peça intervenção imediata.
Comunique seu advogado: Não aja sem orientação jurídica.
Informe o diretor técnico da unidade: Notifique a administração.
Registre um boletim de ocorrência: Formalize a denúncia.
Acione o CRM: Informe o Conselho Regional de Medicina sobre a situação.
Considere medidas legais: Avalie ações como queixa-crime, indenização por danos morais e solicitação de remoção de conteúdos nas redes sociais.
Reflexão Final
As invasões a hospitais se tornaram uma prática recorrente, impulsionadas pelo engajamento que geram. Infelizmente, o público brasileiro muitas vezes se atrai pela polêmica e pelo sensacionalismo. Enquanto esse tipo de conteúdo continuar a ser amplamente consumido e promovido nas redes sociais, todos nós pagaremos um alto preço. É crucial um alerta: o internauta que hoje dá “like” no vídeo do vereador e acha tudo engraçado pode, amanhã, se deparar com a dolorosa realidade de perder um familiar envolvido nesse espetáculo de desumanização.
Este texto visa não apenas informar, mas também instigar a classe médica a refletir criticamente sobre a proteção da dignidade e dos direitos dos profissionais de saúde. É fundamental promover um debate construtivo sobre a responsabilidade coletiva na construção de um sistema de saúde mais justo e humano.
Diego Carvalho é advogado registrado na OAB/MA sob registro 22.499. Especialista em Direito Médico e da Saúde.