Maranhão: armadilhas de uma melhora fiscal


Por Eden Jr.* 

            A terrível pandemia mundial da Covid-19 permanece deixando marcas nas diversas dimensões da existência humana. No entanto, na saúde especificamente,o progresso é visível, especialmente graças à vacinação, com o número de casos e de perdas de vidas arrefecendo-se nos últimos meses, em que pese os lamentáveis 599 mil óbitos no Brasil. Logo esse alento será sentido no cotidiano das pessoas. Com maior liberação de atividades, é provável que tenhamos avanço no emprego, na renda e na economia em geral – apesar de entraves que não podem ser subestimados: inflação, problemas fiscais, solavancos na economia mundial e a aproximação do ciclo eleitoral. 

Nas finanças públicas, o Ministério da Economia lançou, em setembro último, a sexta edição do “Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais”. Esse estudo, que busca aprimorar a transparência orçamentária e estimular o debate sobre as finanças de estados e municípios, foi construído com base nas informações relativas a 2020. Apesar de o documento abordar variados aspectos, como receitas, resultado primário, despesa com pessoal e fundos de previdência, chama atenção o tópico que trata da Capacidade de Pagamento (Capag) dos municípios e, em especial, dos estados.

A análise da Capag é resultado, conforme a Portaria nº 501/2017 do Ministério da Fazenda, da avaliação de três indicadores: “endividamento” (proporção entre a dívida do estado e sua receita corrente), “poupança corrente” (percentual de despesas correntes em relação às receitas correntes) e “liquidez” (montante das obrigações financeiras dividido pela disponibilidade de caixa), que recebem notas “A”, “B” ou “C”. A Capag final resulta em quatro classificação: “A”, “B”, “C” e “D”, segundo o escrutínio dos três itens citados. Somente entes que possuem qualificação “A” ou “B” estão aptos a receber garantia da União para empréstimos. Essa circunstância amplia as possibilidades de investimentos públicos, bem estar e desenvolvimento da sociedade. 

No monitoramento anterior, de 2020 (com dados de 2019), o Maranhão obteve nota “C”; no atual, ficou com “B” – o que, em tese, habilitaria o estado a obterfinanciamentos com garantia do Governo Federal.  O nosso indicador de “endividamento” permaneceu com o conceito “A”, e progredimos no de “poupança corrente” (de “C” para “B”) e no de “liquidez” (de “C” para “A”).

É louvável o avanço do Maranhão, contudo, tem-se que identificar o fator que contribuiu para tanto. A ampliação da receita corrente estadual foi o elemento propulsor dessa ascensão, que no caso do cálculo do indicador “poupança corrente”, ela foi de R$ 18,7 bilhões (2019) para R$ 20,4 bilhões (2020), e para o de “liquidez”, fez subir a disponibilidade de caixa de R$ 261 milhões (2019) para R$ 607 milhões (2020) – alavancando a evolução desses dois índices. A receita corrente total, que melhora todos os três indicadores anteriores, aumentou R$ 1,7 bilhão de 2019 para 2020(quase 10%). Dos componentes da receita corrente total,os destaques vão para a elevação da arrecadação de impostos locais, de R$ 284 milhões (+ 4%), e principalmente, frisa-se, para as transferências vindas do Governo Federal (inclusive para enfretamento da Covid-19), que cresceram R$ 1,2 bilhão (15%), o que determinou dilatação contundente verificada na receita total. O Boletim enfatiza que, sem as transferências da União, a disponibilidade de caixa do Maranhão teria fechado o ano em posição negativa.   

Entretanto, como o próprio do “Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais” afirma, 2020 foi um ano atípico, e devem ser observadas especificidades dessa época, que vão impactar os exercícios futuros, entre elas: (a) por conta das transferências federais para combater a pandemia, a União registrou o maior déficit da história (R$ 745,91 bilhões) e estados experimentaram performance exuberante (superávit agregado de R$ 33 bilhões, ante R$ 1 bilhão em 2019), notadamente em decorrência da elevação das receitas de transferências, que são temporárias (R$ 47 bilhões a mais que 2019, dos quais + R$ 1,2 bilhão para o Maranhão); (b) despesas de saúde nos estados e municípios expandiram-se discretamente e foram compensadas pela redução de outros gastos; (c) a arrecadação do ICMS, a mais importante fonte de receita local dos estados, aumentou em razão da inflação, que majorou o preço dos produtos tributados por esse imposto, mas esse fenômeno pode não ocorrer novamente (o Maranhão arrecadou R$ 284 milhões a mais de impostos locais em 2020, inclusive ICMS); (d) despesas com pessoal, que sofrem restrição até o final de 2021, em virtude de legislação que conteve esse dispêndio, devem voltar a subir a partir de 2022, ano de eleição (no Maranhão a despesa com o funcionalismo caiu 2%); (e) a Lei Complementar n° 173/2020 aliviou  o pagamento das dívidas estaduais e seus encargos em 2020, mas doravanteessa obrigação voltará, minando as finanças dos estados (oMaranhão pagou R$ 392 milhões de encargos da dívida em 2019 e apenas R$ 136 milhões em 2020); (f) o cenário financeiro geral foi tão favorável, em 2020, que cinco estados conseguiram atingir a nota “A” na Capag (eram três em 2019); 15 estados, entre eles o Maranhão, ficaram com “B” (eram oito); os de conceito “C” caíram de 14 para quatro, e três permaneceram com “D”; e (g) a Portaria n° 501/2017 do MF foi revogada pela Portaria9.365/2021 do Ministério da Economia, que trará nova metodologia para cálculo da Capag, e, desse modo, a fórmula atual não tem mais validade, servindo apenas para parâmetro comparativo com anos anteriores.   

Em síntese, no cenário de melhora fiscal alcançadopelo Maranhão em 2020, deve-se considerar as variáveis envolvidas nessa evolução, bem como os riscos potenciais que podem comprometer o desempenho no futuro. 

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected]

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