Descoordenação e darwinismo social nas ações do Governo Federal


Por Prof. Felipe de Holanda (DECON/UFMA)

Um interessante debate vem se desenrolando entre as e os economistas maranhenses, pelas redes sociais, tendo como marco inicial a série de artigos que os professores do Departamento de Economia da UFMA, Alexsandro Brito e o professor Zimbrão, vêm publicando, sobre questões de política econômica, durante e depois da COVID-19. Uma mostra da relevância de nossa profissão,para compartilhar responsabilidades coletivas nesta crise e, também, na tarefa de remodelar instituições e mentalidades no mundo pós pandemia.

Acho que todos nós concordamos que uma das responsabilidades centrais dos Governos, na gestão da crise, é fazer os recursos chegarem na ponta. É a questão da capilarização. Por causa de uma mistura de oportunismo político e darwinismo social,  o Brasil está mandando muito mal na capilarização dos recursos, sobretudo, pelo lado fiscal, no pagamento de vauchers aos informais, essencial para evitar o ressurgimento da fome em larga escala, no Brasil.

Outro desafio muito importante, é a questão da reconversão da estrutura produtiva e dos equipamentos públicos para produzir equipamentos, insumos e leitos para dar suporte ao combate à COVID. Os 23 super aviões-cargueiros que os EUA, enviaram à China para pilhar equipamentos, insumos hospitalares e máscaras, dando um “toco” na França, no Brasil e muitos outros países, mostra que teremos que produzir muitos destes itens domesticamente. Há muita generosidade e criatividade de empresários e trabalhadores, produzindo excelentes resultados, mas em escala insuficiente, porque o governo federal não consegue coordenar nem a casa da mãe-Joana, na qual se transformou.

No que tange às questões monetárias, a discussão vem sendo bastante rica e ilumina os termos do problema. O Banco Central agiu rápido e disponibilizou algo como 20% do PIB em linhas extras de liquidez ao sistema financeiro. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do “Orçamento de Guerra”, aprovada no dia 3 de abril, pelo Congresso Nacional, estabelece as regras como oBanco Central pode atuar neste período excepcional. Ali se estabelecem amplos instrumentos de intervenção, mas falta um importante instrumento, que os professores do DECON/UFMA defendem no debate, que é a possibilidade de dar um by-pass nas instituições financeiras e comprar diretamente títulos das mãos dos detentores privados. Concordo 100% com a proposta. Porque, sobretudo, aumenta a agilidade que precisamos exercitar, nesta crise.

Outra medida importante da PEC aprovada, foi a criação de um regime extraordinário (Orçamento de Guerra), para facilitar o registro e a execução orçamentária de medidas emergenciais, afastando dispositivos constitucionais e legais aplicados em situação de normalidade. Precisamos de transparência, para que a sociedade possa discutir qualvai ser a forma de custear o inevitável aumento de dívidapública, que ocorrerá durante e imediatamente após a crise pandêmica.

Um aspecto que preocupa, com relação à PEC do Orçamento de Guerra é que se estabelece, no § 4º, que “fica o Banco Central do Brasil autorizado a comprar, durante a vigência de estado de defesa ou estado de sítio ou na ocorrência de calamidade pública ou outra situação de grave ruptura econômica reconhecida pelo Congresso Nacional (…) II – ativos financeiros, públicos ou privados, no âmbito dos mercados financeiro e de capitais.

É preciso que haja transparência e fiscalização por parte da sociedade, pois pode-se permitir a instituiçõesfinanceiras venderem (desovarem), ao Banco Central, títulos pobres, comprados para montar posições especulativas, com deságios irrealistas em relação ao valor de face, realizando lucros fraudulentos. O economista Eduardo Moreira vem alertando sobre esta típica manobra de socialização de prejuízos, promovida por interesses financeiros, excessivamente próximos da formulação da política econômica.

Com relação ao debate sobre regime monetário e inflação, acredito que é importante ter em mente, conforme aponta André Lara Resende, que desde 2008, os Bancos Centrais,tanto dos EUA quanto da Zona do Euro, passaram a comprar títulos do governo ou privados, para reduzir as taxas de juros e expandir a oferta de moeda na economia. As bem sucedidas políticas de quantitative easing (QE), como ficaram conhecidas, mostraram que, no período recente, foi a inflação que seguiu a taxa de juros básica da economia, e não o contrário. Ou seja, a vertiginosa expansão de liquidez originada das operações de recompra de títulos públicos e privados não gerou impactos inflacionários, muito pelo contrário. O professor AndréLara Resende chama de Nova Teoria Monetária”, o conjunto de estudos sistemáticos sobre a questão. Acho incrível, certos políticos, e até colegas economistas, que continuam, ainda que inconscientemente, operando mentalmente com a antediluviana Teoria Quantitativa da Moeda, que estabelece estrita proporcionalidade e causalidade, entre quantidade de moeda e inflação. Isto, sendo que, desde o início da década de 1970, deixou de existir lastro em ouro (ou qualquer outra reserva) como referência das moedas-reserva globais.

A lentidão decisória, no Ministério da Economia contribuirá para o agravamento da questão social no Brasil. Hesitações de Bolsonaro à parte, a lentidão emana de um desnecessário apego às restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que os presidentes do STF e da Câmara, e até nosso colega Jose Roberto Afonso (autor da LRF), garantem já estarem relaxadas, no caso (presente) de calamidade pública.

A Lentidão decisória revelou também um jogo de bastidores, promovido por Guedes & equipe técnica, no sentido de condicionar a aprovação das medidas de pagamento de vauchers aos trabalhadores informais à aprovação da PEC do Orçamento de Guerra. Por esta razão (entre outras), o Presidente Bolsonaro demorou tanto para assinar a MP que autoriza o pagamento do auxílio financeiro aos informais.

Uma vez “liberado o dinheiro”, pelo Ministério da Economia, quanto tempo demorará mais, para CAPILARIZAR os recursos, para distribuir a pessoas que, em alguns casos, já estãomais de três semanas sem nenhuma ou reduzida remuneração? Os darwinistas sociais de plantão (desde o período colonial) acham que os pobres têm que esperar; mas a fome, como diria Betinho tem pressa.

O Prof. Marcelo Virgínio Melo, chefe do IBGE no Estado do Maranhão, estava comentando, em uma videoconferência recente, que no Brasil, os dados da PNADc até fevereiro deste ano mostravam que 12,3 milhões de pessoas estavam desocupadas, 500 mil a mais que no trimestre anterior. Além, disto temos 38 milhões de trabalhadores informais e 66 milhões de pessoas que por motivos vários, estão fora da força de trabalho. não protegidos pelo estatuto do trabalho.

O problema é que, no Brasil, muitas destas pessoas se tornaram invisíveis para a política social, desde 2015.Cerca de 1 milhão de trabalhadores nordestino, Contas Próprias no grupamento de atividades Agropecuária(pequenos agricultores familiares, majoritariamente) perderam suas ocupações após 2015 (Mega-seca, recessão, contração de gastos federais e transferências na Região). Muitos destes estão nas cidades maiores e tornaram-se invisíveis para os cadastros de programas sociais, dificultando a capilarização dos recursos.

Previsivelmente, em grandes ou médias cidades, onde houver disseminação descontrolada da doença, pouco antes ou logo após o colapso do sistema hospitalar (quando ficar claro que haverá escalada de mortes desassistidas), se as pessoas desassistidas não tiverem recebido apoio financeiro, haverá ondas de violência, com saques e depredações. Acredito que será mais ou menos quando o Presidente Bolsonaro, amplamente responsabilizado pela escalada de mortes, com sua popularidade em queda livre, será emparedado e “renunciado”.

1 thought on “Descoordenação e darwinismo social nas ações do Governo Federal

  1. Gostaria de ver a conversa de vcs ocorrida no sábado, assim como outras, no yutube, facebook ou postada no instagram, para que vejamos em uma tela maior.

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