Trecho da ferrovia Norte-Sul que passa pelo Maranhão só foi usada duas vezes em 20 meses

Correio Braziliense

A Ferrovia Norte-Sul é um projeto lendário no Brasil, concebido com a ambição ligar a Amazônia ao porto gaúcho de Rio Grande, cobrindo 4.155km. Só que a obra avança lentamente. E nem mesmo o que é entregue pode ser considerado pronto.

O trecho de Palmas a Anápolis (GO) foi inaugurado em maio de 2014 pela presidente Dilma Rousseff. Desde então, serviu para apenas duas viagens de carga. Em abril do ano passado, foram transportadas 18 locomotivas da VLI, empresa que opera a ferrovia no trecho entre Açailândia (MA) e Palmas, os 719km que estão realmente funcionando.

Somente oito meses mais tarde, em dezembro, a poeira dos trilhos foi removida. Quatro composições levaram 27 mil toneladas de farelo de soja de Anápolis ao Porto de Itaqui, em São Luiz, graças à conexão com a Estrada de Ferro de Carajás.

Não existe expectativa de novas viagens para breve. “No momento não há uma meta mensal, pois o transporte depende das transações comerciais feitas entre a dona da carga e o operador do transporte. Para 2016, a previsão é de que haja novos carregamentos de farelos, contêineres e granéis líquidos e sólidos”, informou, por meio de nota, a Valec, estatal que é proprietária da ferrovia.

A dúvida é o porquê da falta de demanda, se cresce o volume de cargas transportadas por trilhos no Brasil. No ano passado, o incremento foi de 32%. Neste, mesmo com a crise, o crescimento deverá ser de 20% segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Apenas 1% do volume transportado não É commodity.

Para a FerroFrente, entidade que defende investimentos em transporte por trens no país, o problema é que o trecho inaugurado por Dilma não tem hoje condições operacionais. “A Ferrovia Norte-Sul de Anápolis até Palmas não está funcionando regularmente”, atacou José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da associação. “Não sai nada do porto seco de Anápolis em direção a Palmas porque não foi feito o desvio, que está previsto para ser concluído apenas em julho deste ano”, disse Gonçalves.

A FerroFrente quer que seja realizada uma inspeção judicial no trecho entre Palmas e Anápolis e também na frente de obras entre Anápolis e Estrela D´Oeste (SP). Para isso, entrou com uma ação civil pública no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Na semana passada, o juiz responsável pelo caso determinou que o governo federal fosse citado para apresentar explicações. A Advocacia-Geral da União (AGU) foi procurada, mas não se manifestou sobre o assunto.

Dúvidas

No trecho em obras, que cobre 682km, a dúvida é saber quanto foi feito, realmente, até agora. Segundo a Valec, faltam apenas 15% do total para terminar os trabalho. “O prazo de conclusão do trecho entre Anápolis e Estrela D’Oeste estava previsto para junho de 2016 mas, com a restrição orçamentária imposta pelo governo federal, o prazo foi postergado para o fim de 2016”, afirmou a Valec por meio de nota. Gonçalves, da Ferrofrente, duvida da marca de 85%. “Por isso é necessária uma inspeção”.

Segundo a estatal, a construção da Norte-Sul continua, ainda que de forma mais lenta do que antes. “Não há obras paralisadas. O ritmo foi reduzido por conta de restrição orçamentária imposta pelo governo federal”, informou a empresa na nota enviada.

A continuidade em ritmo lento não é o que se vê em Nova Veneza (GO). “Está tudo vazio aqui”, afirmou o empresário José Cândido da Silva, dono de uma torneadora instalada ao lado do local onde a Norte-Sul cruza com a rodovia GO-222, no trecho entre Anápolis e Estrela D’Oeste. “Ao longo do ano passado, o trabalho foi diminuindo. Mas, desde dezembro, não há nenhum operário”, contou.

Os trilhos foram instalados na parte que fica ao sul da rodovia. Acabam em um monte de cascalho. Ao norte, o terreno já foi preparado, mas não há linha férrea. E, entre os dois trechos, falta o viaduto que permitirá a convivência entre a estrada de rodagem e a de ferro. O transtorno para a população local está no fato de que a rodovia asfaltada que havia ali, em ótimas condições, virou uma estrada de terra desde que a obra da Norte-Sul chegou, dois anos atrás. “Com as chuvas está tudo cheio de lama. E não temos para quem reclamar. A Valec diz que a responsabilidade é do governo do estado, e o governo culpa a Valec. Fica esse jogo de empurra”, queixa-se o empresário.

Além da inspeção, a FerroFrente quer a criação de um fundo para investimentos nas ferrovias, que receberá R$ 20 bilhões para destravar o setor no Brasil. Segundo Gonçalves, além de investir, é preciso mudar o modelo de concessões, que é de “outorga — prevê a concessão a uma empresa que será dona do trecho, em regime de monopólio”.

A FerroFrente defende o modelo de operador independente, em que é garantida concorrência no uso da ferrovia. “O edital de outorga precisa ser suspenso com urgência”, defendeu.

Lentidão

As obras da Ferrovia Norte-Sul começaram em 1987, durante o governo de José Sarney, envoltas em denúncias de fraude na licitação. Na época, dizia-se que a ferrovia ligava nada a lugar nenhum. O primeiro trecho, de 215km, foi inaugurado apenas em 1996, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em 2007, o trecho de Açailândia (MA) a Palmas foi concedido à Vale, única interessada no leilão. Hoje é operado por uma subsidiária, a VLI. Para o presidente da FerroFrente, José Manoel Ferreira Gonçalves, o governo federal e os governos estaduais dão pouca importância ao transporte sobre trilhos. “Isso ocorre desde os anos 1950”, lamentou.

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