A opinião de Edson Travassos Vidigal: Direito a perder de vista

Quem não é jurista deve ficar um tanto confuso quando ouve falar do tal do PEDIDO DE VISTA, que de tempos pra cá virou moda como forma de burlar o acesso à prestação jurisdicional e à garantia de direitos em nossa tão maltratada democracia (em outras palavras, como forma de engavetar processos). Vejamos o que seja esse malfadado instituto jurídico:

O primeiro grau de jurisdição é formado por juízes, que decidem “monocraticamente”, ou seja, eles próprios, por decisões individuais, chamadas de SENTENÇAS.

Já o segundo grau de jurisdição e os tribunais superiores são colegiados, ou seja, suas decisões são tomadas por um conjunto de juízes (chamados nestes casos de desembargadores e ministros) por decisão de maioria de votos. Tais decisões são chamadas de ACÓRDÃOS, pois são fruto de um acordo entre todos os juízes que examinam e julgam de forma conjunta cada caso.

Como seria improdutivo que cada processo fosse examinado por todos os juízes de cada tribunal ao mesmo tempo, eles são divididos e distribuídos entre os juízes de forma a que cada juiz fique responsável por analisar com cuidado cada caso de sua responsabilidade e elaborar um “RELATÓRIO sobre os fatos e os pedidos constantes no processo, e um VOTO onde dirá o que pensa que deva ser a decisão que será tomada pelo tribunal, bem como os motivos que o levam a essa decisão. Ou seja, cada juiz fica encarregado de um número “X” de processos, e fica sendo chamado de RELATOR destes processos pelos quais fica responsável.

Cada relator apresentará o relatório e o voto (que produziu em cada processo de sua responsabilidade) aos demais juízes, durante as sessões de julgamento, momento quando seus colegas tomarão conhecimento de cada processo e, ou acompanharão o voto do relator, ou votarão em sentido contrário. Da coleta de todos os votos sairá a decisão em cada processo, e daí será redigido o já explicado ACÓRDÃO, que será publicado para gerar efeitos jurídicos.

Algumas vezes, algum dos demais juízes pode entender que a matéria tratada em um processo precisa ser estudada por si com mais cuidado antes de que ele possa se manifestar sobre o caso e votar em algum sentido. E isso acontece justamente porque apenas um dos magistrados leu e analisou com profundidade cada processo (o relator). Quando isso ocorre, esse julgador faz um PEDIDO DE VISTA do processo, ou seja, ele pede para levar o processo para seu gabinete a fim de “olhar” com mais detalhes o caso e tomar sua decisão de forma mais segura.

Finda a análise mais detalhada do processo, deve levá-lo de volta para o plenário do tribunal, manifestar seu voto e dar continuidade ao julgamento, coletando os demais votos até que a decisão possa ser declarada pelo presidente do tribunal, para que o acórdão seja redigido e publicado.

Na teoria, é uma forma de dar mais segurança aos julgadores, e ao jurisdicionado, pois a decisão não pode nem deve ser tomada havendo dúvidas de um dos julgadores. Na prática, o que acontece é que o instituto acaba sendo utilizado por juízes inescrupulosos (e descomprometidos para com os imperativos aos quais devem se submeter) como artifício para sobrestar criminosamente um julgamento, ou mesmo para impedir que determinado caso seja julgado.

Isso ocorre por falha de nossa legislação processual, que aos advogados impõe prazos por vezes absurdos de tão exíguos (na justiça eleitoral, por exemplo, existem prazos computados em horas) e aos magistrados, ou não impõe prazo algum ou, quando impõe, não prescreve qualquer sanção a seu descumprimento, ou seja, são prazos que nasceram para não serem cumpridos.

Exemplo maior dessa falha processual, e que se constitui em enorme perigo ao Estado democrático de Direito e a todos nós, indivíduos, é o caso da falta de prazo para esse tal de PEDIDO DE VISTA, que, a partir da observação da prática deveria se chamar PEDIDO A PERDER DE VISTA, pois em  inúmeros casos magistrados pedem vista de um processo para nunca mais trazê-lo de volta a julgamento, e as partes envolvidas perdem de vista qualquer possibilidade de em algum dia verem pelo menos sombra de seu direito (não chegam a ver nem a tal da “fumaça do bom direito”, ou o “fumus boni juris”, em “juridiquês clássico”).

É muito triste ver a falta de honestidade, moralidade, idoneidade, bom senso, e de vergonha na cara de alguns magistrados que depõem contra a magistratura, contra o direito, contra o Estado, contra a sociedade e contra cada um de nós, indivíduos, no afã de lograrem êxito em seus interesses pessoais escusos.

Nada justifica a manutenção de um pedido de vista por mais que uma sessão de julgamento. Tal prazo deveria, com urgência, ser determinado de forma expressa no Código de Processo Civil, ou mesmo em nossa Constituição, a fim de coibir imensos abusos, como muitos que estão acontecendo diariamente, lesando nosso Direito, nossa democracia e a todos nós, cidadãos. Como podem querer cidadãos honestos se o mal exemplo parte até mesmo de nosso Judiciário?

* Edson José Travassos Vidigal foi candidato a deputado estadual nestas eleições pelo PTC, número 36222. É advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

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