“Precisamos de mudanças bem mais profundas”, diz Márlon Reis

Ao falar de combate a corrupção eleitoral é impossível não pensar em outro nome, que não seja o juiz Márlon Reis. Maranhense com atuação na região tocantina, o magistrado se tornou referência nacional no assunto, afinal ele foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, um dos marcos na legislação eleitoral atual.
No entanto, Márlon não se contenta com essa conquista, ele lidera o Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), que busca fazer uma ampla reforma eleitoral no país, apesar de admitir, que ainda existem muitos desafios a serem vencidos para alcançar esse objetivo.
O juiz vem ganhando tanto destaque, que até já foi convidado para integrar partidos políticos. O Solidariedade, através do presidente no Maranhão, Simplício Araújo lhe fez um convite, inclusive para disputar a vaga de Senador, porém Márlon de forma sensata e coerente com sua postura, diz que não faz parte dos seus planos, deixar a magistratura e ingressas fileiras partidárias. Portanto continuará engrossando o tom no combate a corrupção na política nacional.
Confira na íntegra a entrevista:
Juíz Márlon Reis, semana passada, o TSE aprovou as novas regras para a eleição deste ano. Essas mudanças já atendem a expectativa do que se pretende com a reforma eleitoral?
Márlon Reis – Teremos algumas novidades positivas. Uma em relação à qual tenho expectativa é a revelação dos nomes dos doadores antes do dia da eleição. É uma medida que será mantida em relação a 2012, quando essa publicidade se deu pela primeira vez. Mas as poucas mudanças nada têm a ver com a Reforma Política. Precisamos de mudanças bem mais profundas, a começar pela proibição das doações empresariais, que constituem a maior causa da corrupção política no Brasil.
Qual será o impacto dessas mudanças nessa eleição?
Com a exposição dos nomes dos doadores vamos nos aproximar da superação de um cinismo. Candidatos e empresas terão que responder aos eleitores e à imprensa porque estão coligados para propósitos eleitorais. Há políticos que não querem ver seu nome vinculado a determinadas empresas. Há empresas que não querem relacionar sua imagem à de alguns políticos. 
E quanto ao eleitor, ele tem conhecimento dessas mudanças? O que fazer para que ele fique informado? Existe um distanciamento da Justiça em relação ao povo?
Precisamos do apoio da imprensa na divulgação das mudanças. Essa participação dos meios de comunicação é decisiva. Quanto ao Poder Judiciário, cada vez mais juízes se interessam em dialogar sobre esses temas com as suas comunidades. É um caminho promissor, mas ainda levará um tempo até que tenhamos uma abertura maior. 
Um ponto crucial, que o senhor e o MCCE defendem é a questão do financiamento de campanha. Existe uma expectativa de que mudanças sensíveis sejam aprovadas para quem sabe a eleição de 2016? Quais?
Estou confiante no posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Acredito que haverá maioria para declarar o óbvio: pessoas jurídicas não possuem direitos políticos. Não podem, portanto, influir decisivamente nos resultados das eleições como vem acontecendo. Além disso, há a coleta de assinaturas para a Reforma Política que estamos propondo, nos marcos da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Teremos novidades para 2016, certamente.
Sobre a Lei da Ficha Limpa. Pela primeira vez ela será aplicada em sua plenitude na eleição presidencial e estadual. Mas infelizmente o que acompanhamos é que existem muitos artifícios jurídicos para se livrar da punição. O que pode ser feito de fato para pegar os “fichas suja”? A lei não pegou?
Acompanhei atentamente as eleições passadas. Na Região Tocantina muitos líderes políticos sequer puderam pleitear o registro das suas candidaturas por conta de suas biografias comprometidas. Em todos os lugares há atingidos. No Distrito Federal, quase todos os grandes nomes da política estão inelegíveis. Aquele Senador que protagonizou o último escândalo do Congresso não renunciou porque ficaria inelegível. A Lei da Ficha Limpa acabou com a possibilidade de alguém renunciar para escapar da cassação. Mais um mal terrível que a iniciativa popular extirpou. A lei tem obtido resultados plenamente satisfatórios. Mas há tribunais que ainda precisam evoluir na compreensão dessa lei. 
O senhor acredita que as eleições estão cada vez mais judicializadas? Podemos dizer que agora, nem sempre será o eleitor o responsável pelo resultado final das urnas?
Quem pratica atos como compra de votos ou tenta registrar uma candidatura mesmo sendo inelegível tem mesmo que se deparar com as barras dos tribunais. A Justiça Eleitoral está apenas cumprindo o seu papel. A sociedade tem se mobilizado para pedir mais atuação do Poder Judiciário, que não pode assistir passivamente ao controle da máquina governamental por usurpadores. 
A Lei de Acesso a Informação entrou em vigor no ano de 2012, mas o que podemos acompanhar é que ela não vem sendo cumprida. Não há nenhum mecanismo de punição?
Num país acostumado à sonegação de informações, é razoável reconhecer que o desenvolvimento da cultura de informação se dará processualmente. A ditadura militar deixou um legado terrível de obscurantismo. Mas a Lei de Acesso é um marco positivo. Foi justamente ela que embalou a revelação prévia dos nomes dos doadores de campanha. Hoje é possível, por exemplo, até saber quanto eu ganho por mês pelo meu trabalho de juiz. É só visitar a página do Tribunal de Justiça.
Sobre os partidos do Brasil. Hoje já são 32, mas ainda existem 24 na fila, desejando um registro. Qual a sua opinião em relação a esse assunto? O senhor é contra pluripartidarismo?
O pluripartidarismo é uma conquista irrenunciável. Só quem pode limitar a existência de um partido é o povo, agindo livremente através do voto. Mas me refiro aos partidos legítimos. Os chamados partidos de aluguel, que são na verdade forma de expressão do crime organizado, têm que ser debelados. Mas não defendo a adoção da cláusula de barreira, que atingiria por arrastamento pequenos partidos que atuam legitimamente. Temos que atuar de outra forma. Uma boa medida é proibir a soma do tempo de televisão dos partidos coligados. Essa é uma das mercadorias que os partidos de aluguel expõem em sua banca. 
Em relação ao STF. O senhor acredita que há uma crise na esfera jurídica no país? O senhor concorda com o modelo de indicação de ministros ao Supremo? Esse poder pode perder sua independência?
Sou um defensor do Supremo Tribunal Federal. Não concordo com visões catastrofistas, apesar dos dilemas pelos quais a Corte tem passado. Mas creio que deveremos evoluir para um modelo mais democrático de composição. Gosto do modelo argentino, em que os nomes dos Ministros são submetidos ao crivo da sociedade, num difícil e transparente processo de nomeação. Recentemente, a Presidente Cristina Kirshner teve que rever uma indicação para a Suprema Corte, após a manifestação contrária dos movimentos de defesa dos direitos humanos. 
O senhor acredita que deva existir limite de reeleições para cargos do legislativo e os mandatos dos senadores serem reduzidos?
Não estou convicto em relação à extensão do mandato dos Senadores. Creio que pela relevância da função que exercem é razoável que se mantenha o formato atual. Ele assegura estabilidade à democracia. Quanto à reeleição dos parlamentares, o MCCE defende a limitação a no máximo dois mandatos. Lideramos inclusive uma mobilização nesse sentido. 
Recentemente o senhor recebeu um convite para se filiar em um partido e disputar uma vaga de Senador. Está nos seus planos entrar em disputas políticas? É possível que até abril, o senhor se filie em um partido e vá para a eleição deste ano como candidato?
Não tenho projetos nesse sentido. Fiquei honrado com o convite que me foi dirigido pelo Dep. Simplício Araújo, especialmente por reconhecer nele um parlamentar com ótimo desempenho e grande trânsito no Congresso Nacional. Mas seguirei na Magistratura e na luta por eleições livres e justas. No final de abril os que me procurarem me encontrarão seguindo normalmente em meu trabalho como juiz. 
Este ano existe uma grande expectativa, quanto a participação popular em protestos nas ruas do Brasil. Essas manifestações, podem mudar a política do país e consequentemente o resultado final do pleito de outubro?
Não acredito que os movimentos de rua estejam pleiteando mudanças de nomes na liderança do País. As reivindicações são por mais voz, por mais participação. As pessoas não sabem mais para quem reclamar pelos serviços insatisfatórios que lhe são prestados. Por outro lado, não dá para apostar no caos para a reversão do quadro político. As pessoas em geral não vem nos políticos atuais uma alternativa para aquilo que realmente necessitam: mais democracia, mais participação. Por isso o impacto eleitoral das manifestações será muito reduzido. Mas a médio prazo, essa energia social canalizada nas ruas e nas redes sociais tende a gerar mudanças mais profundas na nossa institucionalidade. O gigante acordou. Falta agora descobrir o que realmente quer. 

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