O que são emendas individuais e para que servem

Todo ano o executivo encaminha uma proposta de lei orçamentária para o legislativo analisar, discutir, votar e transformar na Lei Orçamentária Anual (LOA), que regerá os gastos do governo durante o ano seguinte.Essa Lei traz as estimativas de arrecadação de recursos pelo governo durante o ano seguinte e, baseado nessas estimativas, os gastos previstos para a Administração com custeio e investimento durante esse período.

Tais estimativas podem ou não se concretizar. Então, o governo, caso arrecade menos do que o previsto, pode “contingenciar” o orçamento, ou seja, deixar de liberar determinados recursos previstos na lei, em face da “contingência”. Dos fatos que estão ocorrendo que levaram a arrecadação não ser a prevista, ou levaram os gastos a serem maiores.

Quando a peça orçamentária chega ao legislativo, vai para comissão mista de orçamento, e lá é distribuída para um relator, que com a ajuda de outros relatores setoriais (relatores para cada parte do orçamento) recebe emendas ao projeto (modificações que os parlamentares apresentam) e elabora um substitutivo (uma nova versão do projeto de lei) que será posto em votação.
Essas emendas podem ser de bancada, de partido, da comissão, de relator… e emendas individuais. Estas que aqui tratamos.

As emendas individuais são aquelas que cada parlamentar apresenta e, de antemão, já sabe que será acolhida até um valor pré-estabelecido por um acordo entre o Legislativo e o Executivo.
Essas emendas são as que os parlamentares utilizam para os fins de se reelegerem, ou de cumprirem com suas promessas de campanha, ou para levarem melhorias às suas bases eleitorais, ou para fazerem barganhas políticas com os prefeitos e vereadores, ou para fins outros que até Deus duvida.

Isso porque eles têm plena autonomia de dizer para onde esse dinheiro vai. Com o quê vai ser gasto. E por acordo entre o Legislativo e o Executivo, isso tem que ser respeitado e acatado pelo relator da LOA. Por isso é tão importante aos deputados estaduais (assim como aos deputados federais e aos vereadores, que passam pelo mesmo processo) as tais emendas individuais. É o que dá fôlego político a eles.

Ocorre que essas emendas são, ainda, uma das maiores formas com as quais o Executivo manipula o Legislativo e o deixa à sua mercê. Lembram da possibilidade de contingenciamento do orçamento por parte do executivo? Pois bem, o Executivo, normalmente, mesmo tendo acordado com o Legislativo a aceitação dos valores pré-definidos para cada emenda, segura depois o dinheiro e não o libera, sob o pretexto de que, por algum motivo contingente, não dispõe de tais recursos. E faz com que os parlamentares façam verdadeiras peregrinações aos ministérios, secretarias e outros órgãos do Executivo para suplicarem por tais recursos, dos quais dependem para sua sobrevivência política. O Executivo, então, fica com eles nas mãos, para pedir em troca dos recursos o que até Deus duvida…

Esse é mais um mecanismo institucionalizado de corrupção administrativa de nosso país (dentre inúmeros outros). Por isso a necessidade de se alterar nossa Constituição para efetivar juridicamente o chamado “orçamento impositivo”, ou seja, a obrigatoriedade de que a Lei Orçamentária seja cumprida pelo Executivo em todos os seus termos, sob pena de responsabilização administrativa, cível e penal.

Em nosso Estado Democrático de Direito vige o chamado pluralismo constitucional, que se manifesta principalmente pela tripartição de funções, entre função legislativa, função executiva e função judiciária. Isto para garantir que existam mecanismos de pesos e contrapesos internos, a fim de que não ocorram abusos de poder por parte de algum agente público, ou de alguns. Quem deve decidir o que será feito é o parlamento, composto por representantes da sociedade eleitos pra isso. O Executivo, como o nome já diz, deve apenas EXECUTAR o que foi determinado pelo Legislativo. E o Judiciário deve apenas assegurar que a lei seja cumprida, e que a lei esteja de acordo com os princípios constitucionais.

Ocorre que, utilizando-se de inúmeras lacunas na lei e de subterfúgios de um sistema de corrupção institucionalizado, que passa inclusive pela nomeação de desembargadores, ministros e chefes do Ministério Público, nosso Executivo acaba virando um SUPERPODER, que manipula o Legislativo, o Judiciário, os tribunais de contas, o ministério público e muitos outras de nossas instituições democráticas para conseguirem o que querem. Tudo na base da corrupção. Ops, me desculpem a palavra muito forte. Retificando: tudo na base da “troca de favores”.

Isso não é extremamente democrático?

* Edson Travassos Vidigal é advogado, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Assina a coluna A CIDADE NÃO PARA, publicada no JORNAL PEQUENO todas as segundas-feiras.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *