Governo mantém prática de tortura e maus-tratos em Pedrinhas denuncia ONG

Conectas* – Com edição

Dois anos depois das grandes rebeliões no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, é possível dizer que os assassinatos diminuíram, mas o quadro de tortura e maus-tratos generalizado se mantém. Se as ações e omissões do Estado antes contribuíam com a violência generalizada entre as facções rivais, hoje esse mesmo Estado é o principal artífice dessa violência perpetrada diariamente por seus representantes – diretores de unidades e agentes de segurança públicos e privados.

Porém essa situação já tinha sido denunciada neste blog, através de uma entrevista do Luís Antônio Pedrosa e matéria com a SMDH denunciando acordo entre o Governo Flávio Dino e facções criminosas.

Após os episódios de 2013, o complexo ficou durante meses sob controle direto da Força Nacional e da Polícia Militar. Há inúmeros relatos de torturas e violência por parte dos agentes destas corporações.

Servidores de segurança terceirizados, muitas vezes em condições precárias de contratação, patrulham os pavilhões e corredores e reagem com violência a qualquer queixa dos internos. Muitos deles cobrem o rosto com uma espécie de touca ninja, contrariando portaria estadual (563/2015), que proíbe máscaras ou outros acessórios que dificultem a identificação do agente. Na cintura, levam frascos de spray de pimenta e, no colo, armas com balas de boarracha.

Em um cenário de tensão e opressão constantes, esses funcionários são apontados pelos presos como principais artífices de maus-tratos e tortura, ao lado dos agentes do GEOP (Grupo de Escolta e Operações Penitenciárias).

Segundo relatos colhidos pelas organizações em todas as visitas realizadas ao longo dos últimos dois anos, armas menos letais são usadas cotidianamente para reprimir os internos, ferindo, de uma só vez, os princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade da Lei 13.060/2014, que regula o uso de armas menos letais pelas forças de segurança.

Alguns diretores de unidades confirmam o uso de bala de borracha e do spray de pimenta alegando necessidade de garantir a segurança da unidade e manter a disciplina dos presos. No entanto, além de o uso de tais instrumentos ser desproporcional, uma vez que os presos estão confinados nas celas, os relatos apontam para uma utilização em ocasiões rotineiras, sem que haja motins ou situações de grave ameaça à ordem.

Submeter alguém sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo, é considerado tortura pela Lei Federal 9.455/1997 e pela Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, criada em 1984 e ratificada pelo Brasil em 1991.

A cotidianidade do uso da força contra os internos também foi atestada pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que realizou uma missão ao complexo em outubro de 2015. Em relatório publicado na sequência, os peritos afirmaram que “as pessoas privadas de liberdade ainda são submetidas, conforme relatado anteriormente, a situações de extrema violência e ilegalidade por parte dos agentes públicos de segurança ou agentes privados exercendo funções do Estado”.

“Diferente de antigamente, as torturas realizadas hoje no interior das prisões não deixam tantas marcas como antes. Os ossos quebrados e marcas de espancamento foram substituídos pelo uso do spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo em cela fechada. Presos são levados para as chamadas ‘celas de reflexão’ superlotadas onde ficam por dezenas de dias sem direito a banho de sol ou visita”, ressalta Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global.

A falta de procedimentos internos para o registro de ocorrências aprofunda a dificuldade de responsabilizar agentes e diretores pelas violações. A ausência de tais regulamentos fere os Princípios Básicos sobre a utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei da ONU, criados em 1990. A normativa internacional aponta que “os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei. Na elaboração de tais normas e regulamentos, os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei devem examinar constante e minuciosamente as questões de natureza ética associadas ao uso da força e de armas de fogo”.

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