Antonio Rafael da Silva
Professor Emérito da UFMA, médico infectologista

Em junho deste ano publiquei o artigo Pandemias e Meio Ambiente, no qual abordei a doença que emergiu num provável mercado da cidade de Wuhan, na China, e cujo agente causal, o vírus Sars-Cov 2, do gênero Coronavirus era conhecido apenas por resfriados sazonais e outros agravos. Pouco após surgir na Ásia, o vírus migrou para a Europa e logo atingiu outros continentes, tendo a OMS declarado o estado de pandemia em 11 de março de 2020.
Não fosse a ação das vacinas, eficaz na proteção de pessoas suscetíveis (o que não significa proteger a todos) e no não agravamento de pessoas acometidas da infecção, os números que temos hoje seriam ainda mais aterradores. Estamos em agosto de 2022 e a pandemia do Covid-19 está em sua 4ª onda, vitimando mais de 33,8 milhões e causando a morte de mais de 679 mil brasileiros. Mais uma vez vemos necessário como o uso de medidas protetivas, todas coadjuvantes no controle de uma virose que se expande sendo responsável por mais de 600 milhões de casos e 6,4 milhões de mortes no mundo.

A pretensão do autor com esse artigo é chamar a atenção para o respeito à Mãe Terra e aos seus biomas das áreas intertropicais do globo terrestre. A cosmovisão de respeito ao ambiente é tão importante que a ONU, em 2009, substituiu oficialmente o Dia da Terra por o Dia da Mãe Terra. O teólogo Leonardo Boff traduziu em palavras o significado do recado da ONU: Como mãe, a terra nos gera e continuadamente nos oferece seus alimentos.
Então por que respeitar o meio ambiente? Porque são as atitudes humanas as condicionantes do desequilíbrio do meio, do deslocamento e da destruição de animais silvestres e de seres microscópicos (vírus, bactérias e fungos), facilitando a migração de uma espécie para outra com a consequente migração do seu potencial patogênico. Não foi assim com o virus Influenza, parasita natural de aves, que, ao entrar em contato com outras espécies animais, produziu mutações e pandemias, entre elas a (gripe) espanhola e a asiática? E também não ocorreu o mesmo com os vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars e Mers), em 2003, em 2012 e agora, em 2020, com a Covid-19?

A tese aceita para as epidemias e a pandemia provocadas pelo coronavirus (Sars, Mers e a Covid-19), é a de que o hospedeiro natural do vírus na natureza (o morcego) quando em contato com hospedeiros intermediários, como o mamífero Civeta (comum na Ásia), o Dromedário (nativo da África) e o Pangolin (da África e Ásia), tenha saltado destes para o homem. Além disso, o aumento da temperatura e suas consequências na natureza levam o perigo a nós humanos e outros seres que povoam o universo.

Em 1988, cientistas reunidos nos EUA, preocupados com o aquecimento global, afirmaram que pelo menos três doenças transmitidas por vetores deverão fazer estragos em caso de aquecimento global – a malária, a doença do sono e a doença de Chagas. Atualmente, várias doenças de origem animal atormentam o mundo: Aids, Ebola, Zica, Chikungunya, Covid-19 e a última ameaça, a Varíola dos Macacos, esta já considerada pela OMS uma Emergência Pública de Preocupação Global com mais de 20 mil casos em mais de 20 países, incluindo o Brasil com 1.300 casos confirmados.

Este artigo quer, então, chamar a atenção para um dos grandes elementos da organização social na luta contra as doenças, desigualdade e a exclusão de milhões de seres humanos. Trata-se dos Sistemas de Saúde – no caso do Brasil, do Sistema Único de Saúde (SUS). A longa conquista dos sistemas de saúde vem muito depois da II Guerra Mundial, quando a saúde começa a se consolidar como política e ideologia do Estado de Bem-Estar Social. No Brasil, somente depois do retorno do país à democracia é que a saúde começa a ser tratada como um direito. Esta visão se amplia em 1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) e se consolida na Constituição Federal de 1988, nos artigos de 196 a 200 com a criação SUS, que trata a saúde Como direito de todos e dever do Estado.

Antes da atual Constituição, o atendimento à saúde era somente para os enriquecidos e para quem tinha carteira de trabalho. Já o restante da população, devido à falta de um ordenamento jurídico, era tratada como indigente. Embora houvesse uma política de combate às endemias malária, tuberculose e hanseníase, entre outras, essa ocorria de maneira verticalizada. Foi longo o caminho do SUS até permitir que brasileiro tivesse direito à saúde em nível de segurança. Pode-se dizer que com a Reforma Sanitária o SUS venceu obstáculos porque fora assentada sobre 4 pilares: Ideológico – com sistema democrático participativo por meio de Conferencias e Conselhos de Saúde; Estratégico – Sistema com Comando Único em cada esfera de governo; Conceptivo – saúde como direito, inclusão social e dever do estado; Princípios – Universalidade, Integralidade e Equidade – preceitos inegociáveis.
Assim, o que se anuncia para a Mãe Terra é o mesmo que se proclama para a Saúde como Direito pois o fundamento de sua existência é aproximar os recursos dos que precisam.

Mas para que o SUS atenda a sua vocação natural cabe ao povo escolher governantes e representantes progressistas, solidários e afinados com a ideologia do bem-estar social. À população, por meio de conselhos e instituições, cabe fiscalizar a gestão dos benefícios de interesse público e conhecer a fundo a conquista mais democrática da Constituição de 1988 que teve o mérito de ensinar o Brasil a fazer política participativa e valorizar o município.

O Sistema de Saúde Brasileiro é ímpar, portanto, capaz de inspirar outros sistemas mundo afora. É perfeito? Seria se no Brasil a democracia buscasse a igualdade e a fraternidade governasse as ações dos seus poderes. Caminha para a perfeição? Sim, com muito custo e dificuldade. Mas como leva o selo de constitucionalmente ser o seguro saúde dos brasileiros, vem melhorando com o passar dos anos. E não poderia ser de outra forma já que o SUS atende integralmente 2 em cada 3 brasileiros em várias áreas do conhecimento e dá atenção qualificada à saúde.
Estive na VIII CNS como representante dos médicos no Conselho Federal de Medicina e em várias outras Conferências de Saúde. Devemos defender o SUS e livrá-lo da influência dos que negam a sua importância. Ai do Brasil se não fosse um SUS organizado e capaz de vencer negacionismos e irresponsabilidades na condução da Covid-19 e outras endemias. Em resumo: O SUS está para o Brasil assim como a Mãe Terra está para a humanidade.

Antonio Rafael da Silva
Professor Emérito da UFMA, médico infectologista

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