Patrimonialismo, na planície e no Planalto

Por Edén Júnior

A Admiração Pública nacional passou por diversos modelos, sem que, contudo, um padrão fosse totalmente superado, havendo, em realidade, a coexistência desses. O Patrimonialismo vigora, em maior ou menor grau, desde o descobrimento. Geralmente associado a regimes monárquicos, autoritários e pouco democráticos, o Patrimonialismo é caracterizado pela confusão entre o público e o privado; apropriação do público pelo privado; favorecimento de grupos que incensam o Chefe; paternalismo, nepotismo e por regras que permitem o indevido tratamento diferenciado de cidadãos que estão numa mesma situação.

A Burocracia chega ao Brasil com Getúlio Vargas, no término dos anos 1930. Como oposição ao Patrimonialismo, a Burocracia busca combater privilégios e favorecimentos e procura deixar todos os indivíduos em posição de igualdade perante a lei e o Estado. Impessoalidade nas relações, padronização de procedimentos, racionalidade, meritocracia e caráter universal das normas são as bases da Burocracia.

Na transição entre as décadas de 1980 e 1990, surge a Nova Gestão Pública, ou Gerencialismo, que a partir de peculiaridades da iniciativa privada – concorrência, foco nos resultados, redução de custos, entre outras – tenta levar mais produtividade para o setor público. Contemporaneamente, na mudança do século XX para o XXI, emerge o paradigma da Governança Pública, em que valores como transparência, pluralismo, participação e integração da sociedade na formulação das políticas públicas, prestação de contas e reforço ético, se sobressaem.

Ao contrário do que muitos pensam, não foi a Constituição de 1988 que instituiu a necessidade de concurso para o preenchimento dos cargos públicos. Mas sim a Carta de 1934. Apesar disso, por uma série histórica de “anistias”, foram incorporadas à máquina pública parcelas de servidores que não passaram pelo necessário crivo do certame público.

A propósito, o município de São Luís convive, atualmente, com o imbróglio da realização do primeiro concurso público para a sua Câmara Municipal – órgão que este ano completa 400 anos. Fato esse a demonstrar, inequivocamente, que o Patrimonialismo ainda vigora. Com mais de 80 anos de atraso e somente após competente ação do Ministério Público do Estado foi que o Legislativo da capital procedeu o seu primeiro concurso, oferecendo oportunidades iguais a todos para acessar os cargos públicos. Todavia, lamentavelmente, o caso ainda não teve o desfecho devido, pois até o momento não houve a nomeação dos candidatos selecionados. Mais ou menos tempo, é certo que haverá a convocação dos aprovados, porque essa é a exigência constitucional.

O Maranhão é mesmo pródigo em realizar concursos com elevada defasagem temporal, foi assim no Tribunal de Contas (instalado em 1947 – realizou o primeiro concurso em 1998) e no Tribunal de Justiça (criado em 1813 – fez o primeiro concurso para servidores em 2005), mas, no final, os aprovados foram nomeados para exercer suas atribuições. Essa aversão do nosso Estado em adotar procedimentos equânimes, preferindo, em vez disso, atender grupos de interesses, é uma das razões para o nosso atraso e para nossa dificuldade em dialogar com o mundo moderno.

Na alçada federal, o presidente Jair Bolsonaro demonstra que tem dificuldade em fazer distinção entre os interesses particulares e públicos. Quer que o próprio filho, o deputado federal Eduardo, ocupe a embaixada do Brasil nos Estados Unidos – a mais importante do mundo. A nomeação de um rebento para essa função comporta discussões sobre se o ato configura ou não nepotismo, em sentido formal. Mas só a pretensão de oferecer cargo dessa envergadura para um filho, que não prova ter currículo técnico para a missão, isso em detrimento de diplomatas concursados, altamente qualificados, formados pelo Instituto Rio Branco – um dos mais rigorosos do mundo em seus seletivos – é sinal explícito de que há graves problemas em distinguir pretensões públicas das privadas. Ou seja, está aí o “mau e velho” Patrimonialismo. Tanto é que, o ex-embaixador do Brasil nos EUA, o diplomata Rubens Ricupero, classificou essa tentativa como “sem precedente em países civilizados e democráticos”.

Nessa mesma rota patrimonial, mais dois episódios. A demissão de Ricardo Galvão, chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exibição de dados técnicos que informaram sobre o aumento no desmatamento na Amazônia, ato que desagradou o governo. O outro, a possível troca no comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão que atua na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro. A mudança se daria porque o presidente do Conselho, Roberto Leonel, criticou recente decisão do STF, que dificultou o uso de dados do Coaf em investigações, inclusive na que é alvo o senador Flávio Bolsonaro – outro filho do presidente – por suposta apropriação indevida de salários de assessores.

Infelizmente é que em pleno caminhar do século XXI, a Administração Pública, que constantemente tenta angariar elementos que a deixem mais transparente, participativa, isonômica, flexível, produtiva e democrática, ainda conviva com ranços Patrimonialistas do século XIX.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])

1 thought on “Patrimonialismo, na planície e no Planalto

  1. Excelente artigo, mostra que Bolsonaro não tem nada de diferente dos outros políticos quando o assunto é ajudar e usar a estrutura do poder para beneficiar parentes

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