Mais de dois meses de trapalhadas

Por Eden Jr.*

A situação econômica e social do Brasil ainda é muito grave. O ano de 2018 fechou com mais um desempenho pífio. Segundo o IBGE, a economia brasileira cresceu apenas 1,1% no ano passado, repetindo o índice de 2017. Foi outra performance medíocre, depois da profunda recessão do biênio 2015/2016, que encerrou o desastre petista, e fez a riqueza nacional regredir mais de 7% nesses dois anos. Após mais uma frustração, as novas previsões apontam que o PIB crescerá este ano 2%, contra 2,5% da estimativa anterior.

A retomada da economia é muito lenta e frustra as expectativas dos analistas e da sociedade em geral. Cálculos da LCA Consultores indicam que esta é a recuperação mais vagarosa em 40 anos. Alguns economistas já tratam o atual decênio como mais uma “década perdida” – em alusão à estagnação dos anos 80, que fez o país patinar por anos. A recuperação plena agora só é esperada para depois de 2022.
Refletindo o cenário adverso, o desemprego é alto e atingiu 12% em janeiro (Pnad Contínua/IBGE). No geral, os números mostram uma indesejável estabilidade na taxa de desemprego e 12,7 milhões de cidadãos ainda estão sem ocupação. Esse panorama é trágico, pois sem emprego, não há renda, não há consumo, não há produção, ou seja, não existe perspectiva crível de melhora.
Mesmo diante de toda essa catástrofe e de um trabalho que será muito árduo para remover o país do pântano, o presidente Jair Bolsonaro tem se metido, de forma deliberada, em uma série de confusões desnecessárias, que desviam o foco da solução de questões cruciais. Essas balbúrdias – que em determinados episódios tragaram próceres do governo – lamentavelmente confirmaram as expectativas de que Bolsonaro não tinha a exata noção das complexidades que envolvem o cargo mais elevado da República.
A mixórdia promovida por Bolsonaro e seu filho Carlos em redes sociais, que incluiu vazamento de áudios, levou à demissão do então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Depois de dias em que a atenção do país ficou voltada para a futrica, um dos mais importantes colaboradores da campanha presidencial, que chegou a presidir o PSL, foi exonerado. Isso mesmo restando comprovado que Bebianno não havia mentido ao informar que falara três vezes com o presidente no dia 12 de fevereiro – veja-se bem, tal detalhe desprezível foi o estopim dessa crise, que levou ao afastamento.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, que emprestou sua reputação para guindar o governo, tem visto seu cacife ser lipoaspirado pelos desencontros do novo regime. No episódio de denúncias sobre candidaturas laranjas do PSL, Bolsonaro reduziu a importância de Moro e, com questionável competência para tanto, ordenou que a Polícia Federal – subordinada ao Ministério da Justiça – apurasse os fatos. Sob pressão do Planalto e de parlamentares, Moro, teve que recuar no ponto do Pacote Anticrime que criminaliza o “caixa dois”. Nos tempos de juiz, Moro afirmava: “muitas vezes [o caixa dois] é visto como um ilícito menor, mas é trapaça numa eleição.” Por último, Moro teve que revogar a nomeação da cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Humilhado, o ministro da Justiça retirou Ilona do CNPCP, no dia seguinte a sua nomeação, isso por decisão de Bolsonaro, que revelou ter atendido ao desejo de militantes bolsonaristas. Hoje, é capaz de Moro ter se arrependido de embarcar nessa aventura ministerial.
Em declaração que causou alvoroço, dado sua visão atenuada da ditadura de 1964-1985, Bolsonaro disse que: “democracia depende dos militares”. Engana-se, quem garante a democracia são outras instituições, como eleições livres, o pleno funcionamento do Legislativo, do Judiciário e da Imprensa, dos órgãos de controle, a liberdade de expressão…
Nesses derradeiros dias o presidente se meteu em mais duas escaramuças totalmente dispensáveis. Publicou em suas redes sociais um vídeo pornográfico de um bloco carnavalesco, que causou tanta polêmica na sociedade ao ponto de Miguel Reale Jr – um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – atestar que esse episódio justificaria um novo impeachment, dessa vez por falta de decoro. Na outra, Bolsonaro compartilhou notícia falsa de um site francês – “Mediapart” – para assegurar que a imprensa pretendia arruinar a vida de seu filho Flávio – alvo de investigações sobre desvios de salários de funcionários fantasmas – e levar o seu governo ao impeachment.
Uma confusão generalizada de grupos em busca de poder no Ministério da Educação paralisou as atividades da pasta, justamente numa área em que o Brasil precisa de bom desempenho para se desenvolver, pois amarga índices sofríveis em escala mundial – no último exame do Programa Internacional de Avaliação de Alunos/PISA ficamos entre os 10 piores, dentre os 70 países avaliados. A disputa entre “olavistas” – apadrinhados de Olavo de Carvalho, o surreal guru de destacados bolsonaristas, ex-astrólogo que vive há 14 anos fora do país, se autointitula filósofo e é contumaz crítico da intelectualidade nacional –, militares e técnicos, levou a uma onda de demissões que atingiu até o segundo posto do ministério.
A Reforma da Previdência, tida como a medida mais importante para sanar as contas do país e pavimentar a volta do crescimento, antes mesmo de começar a tramitar no Congresso sofreu censuras do próprio Bolsonaro. Em encontro com jornalistas, ele disse que a proposta de Reforma poderia sofrer alterações, em itens como aposentadoria rural e a idade mínima de aposentadoria das mulheres. Ou seja, antes mesmo de um projeto que é de difícil aprovação – por ser muito impopular e exigir elevado quórum de votação –, começar a ser processado, o próprio presidente lança desconfiança sobre ele. O ministro da Economia, Paulo Guedes, deve ficar aflito diante desses vacilos e vê cada vez mais distante a meta de economizar R$ 1,1 trilhão com a reformulação.
Agora é torcer, para que diante de tantos desatinos, aquele manjado dito popular, de que “o ano do Brasil só se inicia depois do carnaval”, esteja mais certo do que nunca. O governo precisa começar – mas não está fácil.

*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])

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