Caxias que eu vivi por Raimundo Borges

Raimundo Borges
Diretor de Redação de O Imparcial e Membro da ACL

Como o nome já define, academia de letras não é depósito de livros, nem biblioteca de literatura. É o ajuntamento permanente de intelectuais que se dispõem a pensar, produzir literatura e expô-la nas suas variadas formas. Os acadêmicos são semeadores de conhecimento, disseminadores de entretenimento, juntadores de letras e, acima de tudo, sonhadores construtores de mundos. Eles não vivem só de beber chá emfi m de tarde, jogar conversa fora e aparecer como “imortais”. Sabem também fazer transpirar poesia, degustar prosas, imaginar crônica e inventar literatura.

Academia de letras é casa de homens de carne e osso que se preocupam e se ocupam em fomentar atividades intelectuais com letras, ciências, histórias, teatro, etc. É também onde se interage com a sociedade para discutir e publicar produções que sirvam como elementos de abstracionismo, ou materiais para mudar o mundo. O escritor é um polidor de fatos, inventor de realidades, montador de épocas, carimbador do passado, do presente e do futuro. Até do que é invisível. Acompanha movimento do ar, o som da noite, a luz na escuridão. Viaja pelamente do desconhecido e se projeta na imagem do povo.

Assim como Machado de Assis, em 1897, reuniu uma plêiade de intelectuais, dentre eles os maranhenses Artur Azevedo, Graça Aranha, Coelho Neto, Aluízio Azevedo e Raimundo Correia, para fundar a Academia Brasileira de Letras, em Caxias, berço de poetas e escritores de projeção nacional e mundial, como Gonçalves Dias, Coelho Neto e Vespasiano Ramos, um grupo de letrados se juntou, em 1997, para dar asas ao sonho de criar a Academia Caxiense de Letras (ACL). Isso em 15 de agosto de 1997 – exatamente um século depois que Machado de Assis fundou a Academia Brasileira de Letras. Havia no ar uma efervescência cultural que precisava ser organizada e até paradigmatizada na “Princesa do Sertão”.

Portanto, duas décadas apenas para uma cidade berço e inspiradora do poema mais famoso de Gonçalves Dias (Canção do Exílio); de Coelho Neto e com um histórico de bravuras, revoltas sociais, resistência à independência e 181 anos de fundação. Caxias preserva, atavicamente, a história econômica de seu parque industrial têxtil, de produção de óleo de babaçu; celeiro de algodão de alta qualidade, de coronelismo rural retrógado e de exploração do trabalho pelos latifundiários. Até “coronéis” de patentes compradas permaneceram longamente em Caxias como fantasmas deserdados, depois da eclosão de movimentos revolucionários que implodiram o regime de escravidão.

O “coronel” Francisco Alves, piauiense de Campo Maior, dominou um latifúndio de 30 mil hectares no 3º e no 2º Distrito de Caxias, até o fi m da década de 60. Ele disputava palmo a palmo tamanhas extensões de terras, com a família Castelo, também de origem piauiense. Até a quebra do coco babaçu era controlada por capangas chamados de “vaqueiros”. Os pequenos lavradores só podiam vender o babaçu e pó da palha de carnaúba para os famigerados “encarregados” do coroné Francisco Alves, que só aparecia de tempo em tempo, usando botas de militar e armado de carabina, num Jeep Willys.

Quem se arriscava vender babaçu, farinha de puba e pó de carnaúba diretamente no comércio de Caxias sofria as consequências da desobediência. Os capangas não perdoavam. A colheita do arroz também passava pelo controle. Era dividido meio a meio entre o agricultor “agregado” e o latifundiário. Isso tudo acontecia nas zonas rurais ao redor da cidade mais intelectualizada no interior maranhense, onde até a travessia na ponte de madeira sobre o Rio Itapecuru, ligando a Trizidela e o centro, era paga.

Caxias, até a década de 60, não conhecia asfalto nas ruas. As rodovias do interior também não. O transporte da produção rural era feito em lombo de jumentos, cavalos e burros encangalhados, que “estacionavam” na sombra das mangueiras da Praça Central, hoje Panteon. O mercado de Caxias, atual sede da Prefeitura, tinha em suas bancas de comida: galinha caipira, carne de porco, bode no leite de coco babaçu e guisado de boi.

Até hoje, esse tipo de comércio resiste ao tempo implacável. Era e ainda é o principal ponto de encontro da cidade com seu meio rural. Naquele tempo, eram os tropeiros que faziam o interior se interagir com a sede, com arroz em casca, feijão, algodão, couro de boi, farinha de puba, para trocar por “cortes” de tecidos, grande parte, tipo CPTO, produzido na indústria de Caxias, latas de querosene, sabão de coco em barra, café em grãos, sal e rapadura. Hoje, os jumentos estão virando animais selvagens, como há 7 mil anos. Sem dono, sem função, sem carga, viraram desempregados a vaguear no tempo e no campo.

São reminiscência de quem viveu uma época em que Caxias ainda tinha feição provinciana e bigode de coronelismo, com seus comerciantes abastados, seu “comendador” Alderico Silva (o seu Dá) e a estação do trem São Luís-Teresina, trazendo e levando gente. Tempos difíceis, mas animados, principalmente na Zona, com suas casas das calçadas altas e faixadas amarelas e mulheres disponíveis. O interior vivia outra realidade. Recebia o monsenhor Aderson Guimarães em desobriga, com suas missas ainda em latim. Seus camelôs cavalo… Tudo se foi na poeira do tempo e na alma dos que já não estão mais entre nós.

Ficaram, porém, seu pedantismo saudável de cidade dos poetas, “terra de Gonçalves Dias”, com seu morro da Balaiada e sua cultura literária ímpar, robusta e efervescentes, como sempre gosta de festejar, com justifi cado orgulho, um dos cabeças da fundação da Academia, Jacques Vilanir Medeiros.

Caxias é isso, como carimba José Linhares, membro da AML.

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