“Lula não aguenta mais a Dilma”, afirma senador Cristovam Buarque

Correio Braziliense

Todos os dias, ele faz um teste de resistência física e outro, de popularidade. Vence a pé o trajeto de casa, na 215 Norte, até o Senado. Por vezes, o fôlego não aguenta e para na padaria para despachar, lendo mensagens no celular, e avaliar se “está indo bem na fita”. Ali, na 202 Norte, como no plenário, Cristovam Buarque percebe que há um sentimento geral de déjà-vu. “É inegável que há um clima de fim de governo Dilma”, sentencia. O senador não contemporiza quando o assunto é o temperamento da presidente, que, a seu ver, potencializa o clima de insatisfação geral: “Ela deveria deixar a arrogância de lado, ser humilde e buscar o entendimento”, aconselha, depois de comentar que colegas senadores falam abertamente que “nem o Lula aguenta mais a Dilma”.

O ex-governador também revela um bastidor. Segundo ele, há setores que acreditam que Lula estaria disposto a buscar uma alternativa que contemple uma saída negociada da presidente. Um impeachment seria traumático, mas, com o aval do ex-presidente, a situação mudaria. Nesta entrevista ao Correio, Cristovam não aponta apenas os erros do PT, seu antigo partido. Alfineta seu correligionário Reguffe, por defender a redução da maioridade penal. Sobre a possibilidade de os irmãos Gomes (Ciro e Cid) migrarem para o PDT, ele é explícito: não os receberá de braços abertos.

O desgaste político atinge todos que estão na vida pública, avalia o senador do DF. Cristovam diz que a classe política está em débito com o país. “Nenhum de nós pode ir a uma manifestação. Estamos todos muitos desgastados. O povo se cansou deste Fla x Flu eleitoreiro entre PT e PSDB”. Ele fala ainda sobre excesso de cotas, se mostra contrário à eleição direta para reitor e diz que o governador Rollemberg caiu numa armadilha e precisa começar a se mexer.

No Senado, o senhor sente que existe um clima de fim de governo Dilma?
Lamentavelmente, existe. Digo lamentavelmente porque, na democracia, o ideal é que um governo termine quando termina o seu mandato. É inegável que há um clima de fim de governo Dilma que vem crescendo nas últimas três ou quatro semanas.

O que complicou?
As declarações dela. Dei um adjetivo e um colega do Senado considerou forte. Mas, francamente, achei aquela entrevista dela à Folha de S.Paulo patética. Além de arrogante, ela estava fora de sentido. Não era uma entrevista de presidente da República. Não parecia estar ligada à crise que a gente está vivendo. Não fez e não vem fazendo gestos para todos os brasileiros, inclusive os que não votaram nela, incluindo aí os da oposição. Ela tinha que fazer gestos neste sentido. Tenho conversado muito com os senadores para saber como vai ser o dia seguinte à manifestação do Tribunal de Contas da União e o dia seguinte ao TSE. Vamos supor que o TSE diga que não tem nada disso e arquive o processo do PSDB contra a presidente. Como vai reagir o PSDB e como vai reagir o governo?

A presidente Dilma deveria mudar a postura?
Ela deveria adotar uma postura humilde e buscar o entendimento. Temos que sair deste Fla x Flu que é o PT x PSDB. Este país não aguenta mais esta disputa. E qual a maneira de encarar isso? Com o entendimento, entre eles, inclusive.

A crise política é maior do que a econômica?
PT e PSDB não têm nenhuma discordância ideológica de interesses diversos. A política econômica da Dilma é muito parecida com o que faria o PSDB. O Joaquim Levy poderia ser ministro do Aécio. A disputa está sendo eleitoreira e comportamental. Cada um dizendo que é o outro que rouba. Questão de comportamento. E eleitoreira. Cada um vendo como tira proveito das falhas do outro. Isto tem que ser quebrado. Como se quebra isso? Com o entendimento.

A presidente tem interesse em fazer esse entendimento?
A minha preocupação hoje é o ânimo da presidente. Ninguém pergunta se as posições políticas permitem. Não é isto que está em discussão. O que está em discussão é a postura da presidente.

Quando começou o descontentamento com o governo Dilma?
Não sei quando começou. Desde o começo do governo se dizia que ela era uma pessoa muito difícil. Ela brigava muito, era uma pessoa muito dura. Eu não sei porque nunca tive contato direto com ela.

Nem quando foram ministros juntos?
Tive muito pouco contato com a Dilma. Eu tive uma ou duas reuniões em pé. Ela chamou para um almoço os senadores do PCdoB e do PDT, uma única vez. Tinha uma história interessante: antes de sentarmos à mesa, sentamos num sofá, ela resolveu manifestar interesse com o resultado das Olimpíadas de Matemática porque o Colégio Militar tinha se saído muito bem. Eu disse pra ela: “Presidente, é isso que precisamos para o Brasil, federalizar as escolas. Elas são as melhores”. Daí, fui pro meu gabinete e escrevi uma carta de quatro páginas em que proponho como fazer os Cieps da Dilma. Um Cieps por cidade para substituir o sistema carcomido e velho que está ali por outro, com professores federais, escolas com a qualidade federal, com equipamentos da melhor qualidade em horário integral. Entreguei a Gleisi Hoffmann, entreguei ao Gilberto Carvalho, a outros ministros. Nunca recebi uma resposta, nunca me mandaram conversar com o ministro da Educação para saber se aquilo prestava ou não. Foi a única conversa que tive com a Dilma. Para mim, esse é o maior problema do Brasil hoje: falta de diálogo com a presidente da República.

Na sua avaliação, o ex-presidente Lula está insatisfeito com o rumo das coisas?
Os senadores do PT falam abertamente que o Lula não aguenta mais a Dilma, que ele não suporta mais essa situação, que o Lula está se afastando mais e mais dela.

Acha que Lula está buscando uma alternativa que contemple uma saída negociada da Dilma?
Tem muita gente que fala que o Lula está querendo que ela renuncie. Nenhum dos senadores do PT me disse isso, mas a gente sabe que dentro do PT muita gente acha que a melhor saída para o próprio partido seria a renúncia dela. Aí, o vice assumiria, que não é inimigo, e o PT construiria o seu caminho dentro ou até fora do governo. O Lula é uma pessoa inteligente. Essa posição poderia até acalmar o Brasil hoje; se tiver o aval do Lula, naturalmente.

Mas isso não pareceria golpe?
Com o aval do Lula, não. Se ela sai imposta por um impeachment, é traumático. Se ela é cassada junto com o Temer, é diferente, aí parece golpe.

A presidente Dilma já disse que não tem perfil de quem renuncia.
Sim, ela já disse, mas se o Lula negociar esta saída, a situação é outra. Se ela sai imposta, parece golpe. Digo parece porque, como está dentro da legalidade, não dá pra chamar de golpe.

O senhor vê motivo para tanto descontentamento? Por que se criou esse desgaste?
O povo percebeu que nós, políticos, temos uma dívida com o povo e com o Brasil. Vou mostrar: nós construímos essas monstrópoles que são as grandes cidades brasileiras. Não digo nós do atual grupo. Digo nós me referindo aos últimos 50 anos. O que mobilizou as pessoas em 2013 foi a mobilidade precária e ruim. Nós temos uma dívida com o sistema de saúde que não atende às pessoas. Nós temos uma dívida com a quantidade enorme de partidos. Partidos de aluguel, partidos vendidos…

Quem poderia liderar esse processo de conciliação do país?
Ela (Dilma) tem que estar de acordo. Ela tem que dar a voz. E há duas pessoas que poderiam chegar a isso: Lula e Fernando Henrique Cardoso. Não vejo outros.

E eles têm disposição para isso?
Liguei para o Fernando Henrique uma vez. Para o Lula, não liguei. Senti nele (Fernando Henrique) uma predisposição de conversar pelo Brasil. Também pedi a algumas pessoas para fazerem isso. Uma delas fez. E vou cometer aqui uma indiscrição: o Rodrigo Rollemberg fez isso. E ainda disse: “Foi Cristovam que me pediu”. Falou com os dois, há três meses.

Qual foi a resposta?
A sensação é de que nenhum dos dois se entusiasmou. Nenhum dois levou a sério.

O Brasil parece um campo de batalha?
Exatamente. Com uns timezinhos pequenos e um Fla x Flu.

E as redes sociais inflamando ainda mais?
Qualquer coisa que eu diga contra um dos dois lados, tomo pancada. Hoje, no Brasil, quando você diz uma coisa que não está de acordo com um ou com outro, você é murista.

As pessoas demonstram descontentamento com o senhor nas ruas?
Quando eu estou sozinho, não. E eu ando na rua o tempo todo e  não ando só aqui no Distrito Federal. Mas nenhum político tem condições de ir pra essas grandes manifestações. Se eu for pra uma manifestação dessas, pode ser que o povo não aceite também.

Não existe um nome alternativo para liderar esse processo de conciliação?
O pior é que, se surgir, a meu ver, será daqueles que representam um retrocesso. Vamos reconhecer: eu bati demais no PT e no PSDB, mas esses dois partidos provocaram grandes avanços no país. A estabilidade monetária vem do PSDB, o Bolsa Família vem do Fernando Henrique, continuado pelo Lula. Esses dois partidos foram bons para o Brasil, mas se esgotaram. Não foram capazes de dar um salto para um tempo em que progresso já não é mais crescimento da renda.

Não tem espaço para um Joaquim Barbosa, por exemplo?
Com todo o respeito e carinho que tenho, ele é desse grupo de pessoas que chegam de fora e podem não ser capazes de levar adiante um projeto. Com todo o respeito que possa ter por ele e por outros, mas chega como uma novidade tão grande que descola.

Hoje não existe mais sonho?
Não existe mais sonho. E essa é uma das razões do meu apoio a Aécio na campanha do ano passado. Primeiro, ele assumiria em lua de mel, como todo presidente assume. A Dilma, não. A Dilma assumiu com um casamento de 12 anos, que tinha cometido muitas traições e com o patrimônio da família depredado. Ele tentaria os ajustes que ela está tentando, com mais competência e sem a culpa. Mas o terceiro que é mais importante: o Aécio permitiria que nós, da esquerda, fôssemos para a oposição. É difícil sonhar com utopias quando você dorme nos colchões dos palácios. Os colchões dos palácios são confortáveis demais para querer deixar. Você quer dormir lá para sempre.

O que aconteceu com Lula?
O Lula nunca propôs nada de concreto para o Brasil. Nada de revolucionário, um novo rumo para o Brasil, salvo ele mesmo, que já é uma coisa nova. Pobre, nordestino, sem escola para chegar à presidência e sair-se bem. Porque não dá para dizer que ele se saiu mal.

Lula foi uma decepção para o senhor?
Ele sozinho, não. Tudo isso é uma grande decepção. Ele deveria ter chegado ao sindicato dos professores e dito: “Companheiros, nós temos que fazer uma revolução educacional. Então, vocês vão ter que trabalhar mais. Vão ter que estudar mais e não podem pedir mais aumentos de salários porque vou cortar dos banqueiros também”. Mas ele quis dar para os banqueiros e para as altas rendas. E quis dar salário aos professores. Mas esqueceu as crianças. Esqueceu a educação.

O senhor acredita que Lula participou dessas grandes negociatas?
Não sei. Não acho que participou, mas também não vou dizer que é ingênuo para não saber de nada. Também não tenho nada para dizer da Dilma. Só tenho a dizer que acredito que a presidente não pegou dinheiro, como acho que o (José) Genoino (ex-deputado federal do PT) não pegou também, para ele.

Fica surpreso ao ver esses grandes empreiteiros presos, na Operação Lava-jato?
Fico. Isso é uma coisa positiva do ponto de vista de serem milionários presos. Eu não sei se positivo ou não do ponto de vista das leis, como estão sendo usadas.

O senhor tem arrependimento de ter deixado o PT?
Não. Nem de ter entrado.

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