Lei da Ficha Limpa está sob ameaça

Correio Braziliense

Resultado de uma grande mobilização popular, a Lei da Ficha Limpa completou na última quinta-feira cinco anos de promulgação. Foi cerca de 1,3 milhão de assinaturas coletadas em todo o Brasil em apoio ao projeto que tornou mais rigorosos os critérios para permitir que um candidato tome posse. Desde a sua criação, a Ficha Limpa sofre sucessivas tentativas de abrandamento e foi alvo de manobras para não ser aplicada. Cinco anos depois, tramitam na Câmara, em regime de prioridade, pelo menos duas propostas cujo objetivo é “melar” a aplicação da lei, facilitando a vida de políticos que tenham sofrido condenações judiciais.

Um dos projetos é de autoria do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) e foi desarquivado no começo do ano. O objetivo da proposta, que aguarda a escolha de um relator na Comissão de Constituição e Justiça, é deixar claro que políticos condenados por improbidade administrativa só se tornarão inelegíveis caso sejam condenados também por enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público. Na justificativa do projeto, Marquezelli diz que a proposta segue o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, “de modo a garantir a segurança jurídica e a evitar decisões judiciais conflitantes”. Não são raros os casos de prefeitos e governadores que acabam condenados por improbidade administrativa sem que tenham enriquecido de forma ilícita. É o que ocorre, por exemplo, com quem descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O outro projeto, que tramita junto do primeiro, foi apresentado pelo deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA) e pelo ex-deputado Sandro Mabel (PMDB). O objetivo é permitir que o candidato desconte do prazo de inelegibilidade, elevado pela lei da Ficha Limpa para oito anos, o tempo que decorrer entre a condenação por um colegiado e o trânsito em julgado. Na prática, a proposta ataca um dos pontos mais importantes da Ficha Limpa, já que antes da lei o prazo de inelegibilidade era de apenas três anos. A regra valeria tanto para processos criminais, quanto para aqueles de improbidade administrativa. De acordo com Maia, a “rapidez” com que tramitou a Lei da Ficha Limpa impediu que fossem vistos alguns “defeitos graves” do projeto.

Um exemplo citado na justificativa do projeto de Maia e Mabel é um indivíduo que tenha sido condenado a 30 anos de prisão. Contada a perda dos direitos políticos depois do cumprimento da pena, ele estaria impossibilitado de concorrer a cargos públicos eletivos por 40 anos ou mais, o que poderia ser equivalente à cassação de seus direitos políticos e uma punição “excessiva”. Dessa forma, avaliam que a regra é um “desestímulo ao uso dos meios recursais próprios em verdadeira negativa de acesso ao Judiciário”. Se aprovado na CCJ, o texto segue direto para o plenário. A proposta ainda precisará passar pelo Senado.

Membro do comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos principais articuladores para a aprovação da lei, o juiz Márlon Reis rebateu com veemência os argumentos dos autores das propostas e já avisou: se o texto for aprovado, o grupo vai agir judicialmente para tentar impedir a alteração na Lei da Ficha Limpa. De acordo com o magistrado, o impedimento ao réu de se candidatar nas eleições se deve à suspensão dos direitos políticos, e não por inelegibilidade. “Juridicamente, são coisas diferentes”, argumentou.

Marlon Reis lembrou ainda que “a Lei das Inelegibilidades já previa a perda do direito de disputar cargos eletivos depois do cumprimento da sentença, só que o prazo era de três anos”. E completou: “O que fizemos foi apenas aumentar para oito anos. Do jeito que estão querendo, a lei vai ficar mais leve do que era antes”, disse o juiz, que atua no Maranhão. Sobre o “desestímulo ao recurso”, o magistrado foi enfático: “Essa alegação é baseada na má-fé, em candidatos que fazem a sua defesa apenas com interesse eleitoral”.

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