Quando o Fluminense escalou jogador irregular, admitiu e renunciou ao título

O blog abre uma parêntese para um texto que vem tratar exatamente do assunto mais comentado nos últimos dias: o Fluminense e as regras do campeonato. E não se engane que isso nada tem relacionado com política, pelo contrário.
Boa leitura!
Lagarto era um atacante esforçado. Não era técnico, mas sua determinação em campo era tamanha que virou ídolo do Grêmio no final da década de 1910. Foi contratado pelo Fluminense em 1923 e conquistou um título nas Laranjeiras, o Carioca de 1924. Poderia ter sido mais, mas, por causa do atacante, o Flu perdeu o Torneio Início de 1927.

Na época, o Torneio Início era Torneio Initium e a entidade que o organizava era a Amea (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos). O Fluminense venceu por gols todos os adversários, uma façanha não tão comum nesse tipo de competição.
Para os mais novos: os Torneios Inícios eram bastante tradicionais na primeira metade do século passado. Servia como abertura do estadual. Todos os times se reuniam em um estádio e jogavam partidas de 20 minutos. Se empatasse em gols, a vitória ficava no número de escanteios. Era uma competição mata-mata que começava e terminava no mesmo dia.
Na primeira fase, o Fluminense venceu o Brasil pro 2 a 0. O Tricolor foi direto para as semifinais, onde encontrou o Botafogo (que vinha de duas vitórias nos escanteios, contra Andarahy e América). Nova vitória do clube das Laranjeiras: 1 a 0, gol de Alfredo. Na decisão, contra o São Cristóvão (que havia eliminado Vasco e Flamengo, ambos nos escanteios), o Flu fez 2 a 0, gols de Milton.
Título conquistado, comemoração no gramado das Laranjeiras e troféu entregue. Dias depois, o clube percebeu que Lagarto estava com a inscrição irregular e não poderia ter atuado contra Botafogo e São Cristóvão (ele não entrou em campo contra o Brasil).
Foi momento de uma atitude impensada no futebol atual, mesmo para uma competição semiamistosa. O Tricolor se entregou à Amea, admitindo ter escalado irregularmente um jogador e renunciando ao título. O livro “História do Fluminense”, de Paulo Coelho Netto, reproduz o ofício que o clube enviou à associação.
“Exmo. Sr. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athléticos,
Apresso-me a fazer a V.Excia. ciente de que, por ocasião da segunda partida disputada pelo Fluminense Football Club no recente Torneio Initium, foram incluídos, por inadvertência, em nosso quadro dois substitutos, o que contraria a letra do art. 11 do regulamento especial do citado torneio.
Pondo V. Excia. ao corrente dessa irregularidade, cumpre-me relevar que faço com ânimo de facilitar a fiscalização das respectivas súmulas. Reitero à V. Excia. os protestos de minha alta estima e distinta consideração.
Benjamin de Oliveira Filho, secretário.”
A entidade aceitou as explicações, mas recebeu o troféu de volta e o Torneio Início do Campeonato Carioca de 1927 não teve campeão. Difícil imaginar que o espírito esportivo de 86 anos atrás se repita agora e o caso Fluminense x Portuguesa tenha um final consensual.
Era um mundo mais simples.

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